RIO — A sexta maior economia do planeta ainda carrega mazelas do
subdesenvolvimento. Apenas 52,5% dos domicílios brasileiros — ou cerca de 30
milhões — são considerados adequados pelo IBGE, de acordo com novos dados do
Censo 2010, divulgados nesta quarta-feira. Falta o básico em mais 27 milhões de
moradias — ondem vivem quase 105 milhões de pessoas.
— Os dados confirmam o que outras pesquisas já mostraram. Estamos melhor
nesse sentido, mas há déficit ainda a ser resolvido, principalmente no
saneamento — afirmou Wasmália Bivar, presidente do IBGE.
Para ter o status de moradia adequada, o domicílio precisa ter
abastecimento de água por rede geral, esgotamento sanitário por rede geral ou
fossa séptica, coleta de lixo direta ou indireta e, no máximo, dois moradores
por dormitório. Já foi pior. Em 2000, a parcela das residências brasileiras que
eram consideradas adequadas era de 43,9%.
Situação é pior em
lares com crianças
O IBGE destacou o baixo percentual de domicílios adequados onde viviam
crianças de até 6 anos. Enquanto no total, há 52,5% de domicílios adequados,
nas residências onde moram crianças de zero a 6 anos, essa parcela cai para
menos de 30%. E na região Norte não chega a 10%: são apenas 8,8%
Os domicílios sem acesso a qualquer um dos serviços básicos (água,
esgosto e coleta de lixo) e que, ainda, tinham muitos moradores (acima de dois
por dormitório) somam 2,1% do total (1,2 milhão).
O Censo 2010 é um retrato das desigualdades do país, afirma Tatiane
Menezes, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Na Região
Norte, o percentual de lares adequados cai para 16,3% e no Nordeste, 35%. Na
outra ponta, o Sudeste tem taxa de 68,9% de residências adequadas e o Sul,
59,35%.
— Esse cenário é um atestado da desigualdade do país. E mais: da
pobreza. Afinal, as moradias sem estrutura afetam os pobres naturalmente. O
crescimento da economia brasileira não resolveu o problema da concentração de renda. Melhoramos, é fato. Mas há muito o que
melhorar — comentou ela.
A pernambucana Ilsa Maria da Silva, de 29 anos, mora em uma área de
invasão desde os quatro anos no bairro do Hipódromo, zona norte de Recife. Ilsa
tem seis filhos, com idades que variam de dois a 14 anos. Os dois mais velhos
moram com a avó, mas os quatro mais novos — entre 2 e 6 anos — vivem com ela
num barraco com paredes de madeira, móveis velhos e abastecimento clandestino
de água.
Embora tenha latrina, o barraco não possui esgoto. Todos os dejetos da
casa são descartados por um cano até um canal que corta a avenida próxima ao
barraco, o que gera proliferação de insetos na localidade.
— O canal está cada dia mais podre, e aqui na favela tem tudo de quanto
é bicho: barata, rato, escorpião e muriçoca (pernilongo). Os meninos vivem
pinicado por causa dos insetos — reclama a moça, que fatura apenas R$ 180 por
mês, debulhando feijão verde em uma feira próxima, três vezes por semana.
Quando se olha por raça, os brancos moram em domicílios melhores. São
63% contra 45,9% dos pretos morando em casas consideradas adequadas. Em 2000,
eram 53,9% e 34% respectivamente.
Quanto menor a renda, menor a parcela de domicílios adequados: o
rendimento médio dos domicílios adequados era de R$ 3.403,57, enquanto o dos
inadequados era de R$ 732,27. Já a renda média dos lares semiadequados (que têm
ao menos um dos serviços básicos ou no máximo dois moradores por domicílio)
estava em R$ 1.616,23.
Paula da Silva Ferreira, de 59 anos, mora desde os 15 em Recife, para
onde veio em busca de emprego. Como quase todo imigrante que sai da roça,
ocupou um terreno à margem de uma avenida que corta quatro bairros da zona
norte da capital. Casada ainda bem jovem, ergueu com o marido um barraco de
papelão, zinco e pedaços velhos de madeira. Paula teve onze filhos que se
criaram sem direito a água, esgoto, nem casa de alvenaria. Mas, ao longo dos
últimos 20 anos, a família foi melhorando de vida.
— Quando os filhos começaram a trabalhar, também investiram na casa. A
última reforma tem dois anos: a residência hoje é de alvenaria, tem água
encanada, luz elétrica, grades e até toldo na porta de entrada — contou ela,
que ainda fez um pavimento superior interno, onde dorme sozinha com o neto.
A qualidade da moradia melhorou, mas ela não tem direito a saneamento,
problema que atinge cerca de 70% dos domicílios recifenses.
Segundo a pesquisa, aumentou a presença de televisão, geladeira e
máquina de lavar roupa mesmo nos domicílios totalmente inadequados. Porém, caiu
a participação do rádio.