terça-feira, 27 de novembro de 2012

MUNICIPALIZAÇÃO - Importante esclarecer que a municipalização não é uma imposição ou uma obrigação legal, como tenta fazer o Estado e o Municipio, ela imprescinde de comum acordo e pressupõe a concordância em relação aos termos e condições em que se dará a transferência pretendida.


A municipalização do ensino. Considerações quanto aos aspectos legais e administrativos que envolvem o procedimento
por Patrícia Collat Bento Feijó

Patrícia Collat Bento Feijó

Graduada em Direito (1995), pós-graduada em nível de especialização (2000) em Educação, Consultora em Direito Público, membro da equipe técnica da DPM.


1. A Utilização do Termo Municipalização

Primeiramente, deve registrar-se que o termo “municipalização” inexiste no ordenamento jurídico vigente. Trata-se de uma expressão utilizada popularmente para denominar a transferência das atividades educacionais do Estado para o Município. Daí a origem da expressão, que é usada para a identificação do procedimento.

Com o presente trabalho, pretende-se analisar o processo onde os Estados transferem aos Municípios suas atividades educacionais, dando especial ênfase aos aspectos jurídicos de sua realização e as implicações legais e administrativas decorrentes desta transferência.

A Constituição Federal não refere a expressão municipalização; apenas assegura o regime de colaboração entre os entes, como um instrumento para organização dos sistemas educacionais e de garantia de universalização do ensino obrigatório. Muito embora a expressão não exista formalmente no texto legal, é amplamente empregada por todos que tratam do tema.

Autores e estudiosos do tema referem-se ao processo em questão como “municipalização”. Utilizam a palavra para identificar o conjunto de atos pelo qual o Estado transfere ao Município as atividades educacionais de sua competência ou, ainda, para definir o pacto de colaboração que fazem os entes, com a finalidade de assegurar o desenvolvimento de determinadas atividades de ensino.


2. A Legislação Vigente e as Previsões acerca do Regime Cooperativo 

O texto Constitucional garante aos entes federativos a possibilidade de criarem formas de colaboração para organização de seus sistemas de ensino. Dispõe a Carta Constitucional:
Art. 30. Compete aos Municípios:
VI – manter com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;
[...]
Art. 211. A União, os Estados o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino:
[...]
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalidade do ensino obrigatório.
Recentemente, a Medida Provisória nº 339, de 28 de dezembro de 2006, já convertida na Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, trouxe previsão expressa acerca do que dispõe o § 4º do art. 211 da Constituição Federal. A nova Lei dispôs, em seu artigo 18, sobre a possibilidade de Estados e Municípios celebrarem convênios para a transferência de alunos, recursos humanos, materiais e encargos financeiros, acompanhados da transferência imediata de recursos financeiros correspondentes ao número de matrículas assumidos pelo ente federado.

Nesse sentido, a municipalização pode ser definida como o processo de transferência dos serviços públicos de educação, que são originariamente de responsabilidade do Estado, para o Município. O que tem ocorrido na maioria das vezes é a transferência dos serviços de educação relativos ao ensino fundamental, situação que tem sido denominada como “municipalização do ensino fundamental”.

Em outras palavras, é um processo pelo qual o Estado transfere ao Município a execução das atividades de ensino de uma ou mais escolas, ou mesmo de uma etapa da educação escolar, como é o caso do ensino fundamental. Efetivando-se essa transferência, a Administração Municipal passa a executar a atividade educacional que antes era desenvolvida pelo ente Estadual.

Observe-se, no entanto, que o art. 18 da Lei nº 11.494/07 não trata exclusivamente do atendimento dos alunos; fala também da transferência de recursos humanos, materiais e financeiros correspondentes. Portanto, a municipalização não se restringe à transferência de atividades educacionais de um ente para o outro ou ao atendimento dos alunos envolvidos no processo. Trata-se de um pacto bilateral que deve trazer a previsão dos recursos correspondentes para a execução das atividades assumidas.

O regime de colaboração baseia-se, fundamentalmente, no sistema federativo de organização do Estado, onde as bases normativas necessárias para efetivação do federalismo cooperativo estão previstas na Constituição Federal. Em matéria de ordenamento social, existe previsão de cooperação entre as entidades políticas da federação para o desenvolvimento das ações sociais, dos serviços públicos de saúde e de educação (arts. 23. § único, 30, VI, 195, § 10, 198, § 3º, II, 204,I e 211).

Em decorrência do princípio constitucional da autonomia municipal (CF art. 29), da forma de organização federativa do Estado e da idéia de cooperação e colaboração entre os entes, mais especificamente no que tange à instituição e efetivação dos sistemas de ensino (CF art. 211), decorrem algumas ações possíveis e, por vezes até necessárias, de serem realizadas conjuntamente, tais como: a divisão de responsabilidades pela oferta do ensino fundamental; o planejamento educacional (planos de educação e censos escolares); a constituição de Conselhos com representação popular; enfim, quaisquer atividades ou ações que se façam necessárias para efetivação da universalização do ensino obrigatório, para a garantia do direito à educação e para elevação do padrão de qualidade.


3. As Responsabilidades de Estados e Municípios em Relação à Educação

Em relação à Educação, a Constituição (art. 211, §§ 2º e 3º) atribui ao Município a competência e a obrigação de atuar prioritariamente nos níveis da educação infantil e do ensino fundamental, enquanto que, ao Estado, foi determinada a responsabilidade de atuação no ensino fundamental e no ensino médio.

No que diz respeito ao ensino fundamental especificamente, foi prevista a atuação concorrente de Estados e Municípios, muito embora tenha ficado a cargo destes a atuação prioritária nesse nível da educação básica.

Não obstante a competência concorrente determinada para o ensino fundamental e a definição da área de atuação prioritária dos Municípios, a Constituição Federal previu a cooperação específica entre os entes federativos, com vistas à universalização do ensino obrigatório.

Vale esclarecer que o ensino fundamental é a única etapa da educação básica obrigatória ao educando em idade escolar. Os demais níveis (educação infantil e ensino médio) não possuem matrícula obrigatória. Portanto, para efetivação e oferta do ensino fundamental, pode haver cooperação entre os entes, quando assim se fizer necessário e viável.

A doutrina de SOUZA (2006) traz referências importantes sobre a cooperação entre Estados e Municípios nas atividades educacionais, cuja transcrição é útil ao entendimento da matéria analisada:
Da breve análise sistemática e teleológica das normas constitucionais e infraconstitucionais mencionadas, é possível extrair que os serviços de educação, em especial os afetos ao ensino fundamental, são indispensáveis à dignidade constitucional da pessoa humana (CF/88, art. 3º, I), constituem direito subjetivo público difuso essencial dos cidadãos (CF/88, art. 6º, caput c/c art. 208,§ 1º), devem ser prestados fundamentalmente pelos estados e municípios (CF/88, arts. 205 a 214), com atuação prioritária dos municípios, dentro do regime de cooperação traçado na Constituição e nas leis (CF/88, art. 30,VI c/c art. 211, § 4º), como decorrência do princípio federativo brasileiro (CF/88, art.18,caput).
A cooperação entre estados e municípios, como sustentado, é medida constitucional de grande prudência, tendo em vista a já ressaltada assimetria fática e jurídica existente entre os diversos entes políticos da federação, em especial os municípios, conforme nos dá notícia o abalizado magistério de DIRCÊO TORRECILAS RAMOS, daí a opção constitucional pelo federalismo de cooperação.7
Ainda em relação à área de competência de Estados e Municípios, cabe citar as disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, a qual define:
Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de:
[...]
VI – assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio.
[...]
Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
[...]
V – oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino
. (grifado)
Sendo assim, ao pensar em aceitar um termo de colaboração ou mesmo em efetivar a municipalização de uma escola estadual, o Município deverá observar com atenção o que dispõe o inciso V do art. 11 da LDB, uma vez que a possibilidade de investir em níveis de ensino diversos de sua área de competência, como é o caso do ensino médio, por exemplo, depende diretamente da comprovação do que exige o dispositivo.

4. A Formalização da Municipalização ou do Sistema de Cooperação entre os Entes

Importante esclarecer que a municipalização não é uma imposição ou uma obrigação legal, ou seja, imprescinde de comum acordo e pressupõe a concordância em relação aos termos e condições em que se dará a transferência pretendida.

É necessário um estudo prévio das necessidades e viabilidades deste procedimento, levando em conta principalmente o impacto no rendimento escolar dos alunos.

É indicado aos Municípios que, antes de efetivarem a sua opção pela municipalização, realizem ampla negociação com o Sistema Estadual de Ensino, e se possível for e entenderem conveniente e necessário, envolvam a União para discutir a forma do regime de colaboração que será instaurado no momento de sua escolha.

Além do estudo preliminar, cabe ao administrador motivar a opção pela municipalização dos serviços públicos de educação, justificando o interesse, a necessidade e a viabilidade de tal procedimento ser realizado.

No plano de trabalho deverão estar definidos, entre outros e em especial a quantificação e periodicidade dos repasses de recursos financeiros a serem efetuados pelo Estado, a fim de minimizar os inconvenientes que costumam ocorrer em relação a outros convênios, tais como o transporte escolar e execução da merenda escolar, isso apenas para ficar na exemplificação no campo da educação.