Expoente da Teologia da Libertação envia seu livro ao Santo Padre e tem à frente uma possível reconciliação
Por que o Papa
Francisco mudou sua avaliação?
Ele se mostra como um pastor. Assume as virtudes de São Francisco, que
são a pobreza, a humildade e a proximidade com o povo. Isso nos dá muita
esperança.
Vai se encontrar com
o Papa?
Ele quer receber meu livro. Mandou essa mensagem por uma amiga. Eu já entreguei
a obra ao arcebispo do Rio e espero que o Papa receba. Se ele quer me ver ou
não, deixo em aberto.
Mas vai participar
dos eventos da Jornada Mundial da Juventude?
Dos quatro dias em que o Papa estará no Rio, vou estar fora por dois. Há
muitos meses aceitei convite para falar para dois mil estudantes em Santa
Catarina e 1.500 em São Paulo. Não posso desmarcar. Por isso, vou acompanhar
pela TV. No domingo, dia 28, estarei aqui.
De concreto, o que
mudou nesses quatro meses de papado?
O mais concreto é a reforma do papado, não a reforma da Cúria. Estávamos
habituados àquela imagem do papado quase imperial, do papa como Sua Santidade,
no Palácio Pontifício. Aí vem alguém do Grande Sul, onde vivem 62% dos
católicos, onde estão a grande pobreza e a miséria da humanidade, e traz uma
experiência nova de igrejas que não são mais reflexos das europeias, de igrejas
que têm formas diferentes de viver junto à fé. Ele reforma a figura do Papa.
Nossos bispos não são autoridades eclesiásticas de costas para o povo, são
pastores, que andam no meio do povo. Francisco vive numa casa de hóspedes, come
com todo mundo, dispensa todos os símbolos e instrumentos do poder — carro
especial, roupa própria de quem tem a suprema autoridade — e nem quer ser
chamado de Sua Santidade. Diz que é irmão entre irmãos. Ele renova a imagem do
papa. Não a dessacraliza. Dá à Igreja um contorno que é mais conforme a São
Francisco, Pedro e Jesus.
Espera um ato de
reconciliação com pessoas que, como o senhor, tiveram vozes discordantes?
Acho que enquanto o Papa demissionário anterior viver, ele não vai fazer
uma reconciliação e um resgate desses teólogos. Mas, quando estiver sozinho,
vai resgatar os 500 teólogos cujas cabeças foram decepadas. Acho que esse Papa
é capaz de desmontar essa máquina de controle e punição e deixar isso às
igrejas locais. A Igreja não é uma coisa uniforme. É a primeira grande
instância mundial, que está em várias culturas. Não pode ser só uma Igreja
ocidentalizada e romanizada. Tem que ser uma Igreja com caráter africano,
latino-americano, indígena. Ele vai favorecer esse enraizamento das igrejas nas
culturas locais. E, por isso, a importância dos teólogos é forte. Eles dão as
boas razões, fazem as correções e as críticas...
O Papa vai enfrentar
a queda do número de católicos, mas é contra gays, divórcio, contracepção...
Até agora, o Papa não se pronunciou sobre essas questões. A gente sabe
que, como cardeal em Buenos Aires, representava a doutrina comum, mais
conservadora. Havia uma razão: com os dois papas anteriores, nem os cardeais
nem os teólogos podiam discutir essas questões: a moral sexual, o celibato e a
forma de poder absolutista dos papas. Acho que esse Papa, embora possivelmente
mantenha posições mais tradicionais, vai permitir uma ampla discussão. Dias
atrás disse que não aceitava o padre que não quis batizar o filho de uma mãe
solteira. Disse que não existe mãe solteira, mas mãe e filho. A Igreja não pode
fechar as portas e negar o batismo, não pode inventar um oitavo sacramento que
proíbe receber as pessoas que não se enquadram nas normas. Acho que ele vai
abrir a Igreja a essas questões.
Como vai reagir a
Cúria?
A Cúria tem mais de mil anos e todos os trejeitos e tramoias do poder
que se estabelece como antipoder. Pode tentar frustar o projeto do Papa. Mas
ele não é só franciscano, é também jesuíta. Homem da estratégia. Os oito
cardeais que nomeou vão fazer junto com ele a Cúria.