domingo, 25 de janeiro de 2015

Quando, como e onde?

folha.uol.com.br |

A presidenta Dilma Rousseff anunciou em seu discurso de posse a meta de financiar três milhões de moradias populares na nova etapa do programa Minha Casa Minha Vida. Até aí nada de novo. O anúncio do Minha Casa Minha Vida 3 já havia sido feito seis meses antes, em julho, com a mesma meta.

As questões são: quando, como e onde?

Quando serão liberados pelo Tesouro para a Caixa Econômica Federal os aportes da terceira etapa é uma incógnita. Principalmente pelas atitudes de uma equipe econômica que só sinaliza arrocho e nada de investimentos.

A meta de corte de R$ 66 bilhões apresentada por Joaquim Mãos-de-Tesoura para o sagrado superávit primário não é algo sem consequências. Corresponde a quase 1 milhão de moradias populares na faixa 1 do programa.

Sem mencionar o fato de que obras da segunda fase do programa tiveram atrasos de pagamento em todo o Brasil no fim de 2014 e muitas continuam atrasadas.

Neste cenário é difícil dizer quando a nova meta de moradias passará do discurso à realização.

Outra questão é como será o desenho do programa em sua terceira fase.

As duas primeiras etapas do Minha Casa Minha Vida tiveram pontos importantes: subsídio massivo para as famílias com renda inferior a R$ 1.600 (faixa 1), que não se enquadram nas regras do crédito imobiliário, e foco nesta faixa de renda a partir da segunda etapa, passando a representar 52% do total das moradias entregues.

Mas também tiveram vícios que tornam indisfarçável o objetivo-mestre do programa de injetar liquidez no setor da construção civil.

O tamanho das moradias é um deles. A Caixa paga às construtoras um valor fixo por cada unidade habitacional, que nas regiões metropolitanas é de R$ 76 mil para a faixa 1. E estabelece um mínimo de 39 m² para a casa. Se a empresa construir 39 m² receberá os R$ 76 mil, se fizer 60 m² receberá os mesmos R$ 76 mil.

Não é preciso conhecer muito a lógica de mercado para compreender que este mecanismo estimula casas menores. O tamanho e a qualidade são sacrificados para o aumento do lucro das empresas.

O MTST apresentou à presidenta uma proposta para estimular a construção de moradias maiores no Minha Casa Minha Vida 3, estabelecendo valores variáveis conforme o tamanho das moradias, além do aumento no tamanho mínimo. Isso significaria um maior controle da margem de lucro das empresas e um ganho importante para a qualidade das moradias.

Outro ponto –que toca no mesmo problema da lógica empresarial– é a gestão dos empreendimentos. A gestão direta do projeto e da obra pelos futuros beneficiários demonstrou potenciais indiscutíveis.

A modalidade Entidades do programa é a responsável pelos maiores e melhores apartamentos, com os mesmos valores pagos às construtoras. A matemática é simples: o que seria destinado ao lucro é convertido na própria obra. No entanto representou até aqui menos de 2% das moradias contratadas. Recebe menos recursos e sofre travas burocráticas dignas de um romance kafkiano.

Por fim, o onde. Embora seja o maior programa de habitação popular da história do Brasil, o Minha Casa Minha Vida reproduz o modelo da cidade do apartheid. A dinâmica imobiliária sempre empurrou os mais pobres para as periferias. Ao invés de fazer o contraponto, o programa tem reforçado esse movimento excludente.

Quem define os terrenos que serão disponibilizados são as construtoras. E tal como no caso do tamanho, a Caixa paga um valor fixo independente da localização. O resultado é previsível: as construtoras usam os seus piores terrenos e proliferam-se condomínios-guetos nos fundões urbanos.

Enfrentar este problema significa inserir o Minha Casa Minha Vida numa política urbana mais ampla. Controlar a especulação imobiliária, fazendo valer o Estatuto das Cidades e taxando progressivamente áreas ociosas e subutilizadas. Desenvolver uma política nacional de desapropriação de terrenos e edifícios urbanos ociosos, especialmente nas regiões centrais. Enfim, estimular a construção de moradias populares em regiões com maior infraestrutura, serviços e oferta de emprego.

Aliás, a especulação imobiliária sabota os próprios efeitos quantitativos do programa. Mesmo com o Minha Casa Minha Vida, o déficit habitacional cresce de forma consistente nas principais metrópoles do país. O ritmo de produção de novos sem-teto –pelo aumento de valor dos aluguéis– é maior que o de construção de novas casas.

O Minha Casa Minha Vida 3 está diante deste dilema. Ou se confirma como um programa de estímulo econômico à construção civil e aprofunda a crise urbana. Ou enfrenta com coragem o problema habitacional através de uma política de reforma urbana com participação popular. Tudo indica, pelas movimentações do governo Dilma, que esta decisão já está tomada. E será mais do mesmo para atender ao setor imobiliário.

Guilherme Boulos, 32, é formado em filosofia pela USP, professor de psicanálise e membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto). Também atua na Frente de Resistência Urbana e é autor do livro "Por que Ocupamos: uma Introdução à Luta dos Sem-Teto".

Os anos recentes têm sido generosos com os acionistas da Sabesp*

A grave crise de abastecimento hídrico atravessada atualmente pelo estado de São Paulo merece atenção de todo o país, bem como esforço amplo para a superação do problema. O baixo nível dos reservatórios do sistema Cantareira ameaça o fornecimento de água para cerca de 14 milhões de pessoas da região metropolitana da capital e de outros 12 municípios, como Campinas, Piracicaba e Itu.
Por mais que devamos nos preocupar com o aquecimento global e adotar políticas ousadas para seu enfrentamento, não é essa – nem meramente a falta de chuvas – a principal razão para a pane no sistema de abastecimento de água. A Relatora das Nações Unidas para a questão da água, Catarina de Albuquerque, é categórica: a crise hídrica em São Paulo é de responsabilidade direta do governo estadual. A avaliação do Ministério Público é semelhante. A promotora Alexandra Facciolio afirma: “Estamos passando por esta situação porque o planejamento falhou. Não foi feito o que era necessário”. Segundo diversos especialistas, os vinte anos de gestão estadual do PSDB não providenciaram os investimentos necessários para garantir o equilíbrio do sistema de abastecimento de água, com capacidade de suportar períodos de estiagem. A privatização da gestão, controle e distribuição da água, transformada em ativo financeiro e objeto de especulação nas bolsas de valores, é uma das maiores razões para isso. Para a Relatora da ONU, “os recursos deveriam estar sendo investidos para garantir a sustentabilidade do sistema e o acesso de todos a esse direito”, ao invés de remunerarem lucros de acionistas da Sabesp, empresa mista responsável pela gestão do sistema, e que tem quase 50% de suas ações distribuídas entre bolsas de SP e de Nova Iorque. Segundo o economista Bruno Peregrina Puga, “os anos recentes têm sido generosos com os acionistas da Sabesp, sempre pagando um payout elevado, ao passo que o investimento não tem acompanhado a mesma intensidade crescente do lucro”. Além disso, estudo da Fundação SOS Mata Atlântica mostra que o desmatamento intenso de quase 80% da vegetação nativa da bacia hidrográfica da Cantareira é um dos responsáveis diretos pela crise de abastecimento. Com pouca vegetação, a floresta não consegue desempenhar o seu papel, de reabastecer os lençóis freáticos e impedir a erosão do solo e o assoreamento de rios, protegendo as nascentes e todo o fluxo hídrico. Mais uma grave omissão do poder público – inclusive deste Congresso Nacional, que produziu grave retrocesso ambiental nesta Legislatura, ao aprovar, em 2012 (com a nossa oposição), o novo Código Florestal, que criou condições mais favoráveis ao desmatamento e assoreamento de rios. Além da instrumentalização mercantil e financeira, há evidência de grave e ilegal ingerência política eleitoreira sobre a Sabesp, em prejuízo da transparência da gestão pública. Diante dos áudios em que a diretora-presidente da SABESP, Dilma Pena, declara ter recebido ordens do governo do estado para esconder a grave crise de abastecimento de água em São Paulo, fica claro que o governo do PSDB colocou seus interesses eleitorais acima do interesse público. Com esse fundamento, o Deputado Carlos Giannazi, líder da bancada do PSOL na Assembleia Legislativa do Estado de SP, protocolou, no dia 24, pedido de cassação do mandato do governador Geraldo Alckmin por crime de responsabilidade, com base na legislação federal e estadual, além de Representação no Ministério Público Estadual, pedindo que o órgão responsabilize criminalmente, e por prevaricação, a presidente da SABESP e o próprio governador. Por mais que o governo tucano tenha tentado esconder, a falta de água já era sentida há tempos, em especial na periferia, em bairros como Itaquera, Carapicuíba e Campo Limpo, conforme denuncia Guilherme Boulos, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). A população de Itu, no interior, foi a primeira a sofrer com o problema, desde setembro do ano passado, enfrentando racionamentos prolongados e imprevisíveis, que afetam da merenda escolar à ida de estudantes ao banheiro nas escolas, da dificuldade de lavar roupas e tomar banho às filas enormes e ininterruptas na bica de água da cidade. Na raiz da escassez, a falta de transparência e de investimentos do poder público e da empresa privada que é concessionária do serviço de abastecimento de águas na cidade desde 2007. Como infelizmente tem sido praxe, os governantes têm respondido com violência, e não com políticas públicas adequadas, à revolta popular que ocorre em Itu pelo direito à água. Várias pessoas foram presas nos protestos, e há casos de ativistas que têm sofrido ameaças e agressões físicas e psicológicas da polícia militar e da guarda municipal de Itu. Foi o caso de Everson Guarnieri Júnior, 20 anos de idade, membro do movimento “Itu Vai Parar”, vítima de golpes de cacetete por parte da PM e que teve seus piercings arrancados com alicate no centro de detenção provisória de Sorocaba, do qual saiu com diversos ferimentos. Nesse cenário, manifesto todo apoio à representação do Deputado Carlos Giannazi contra a cúpula do governo de SP e da Sabesp, e toda solidariedade ao movimento “Itu vai parar”, que apresenta demandas cobertas de justiça e urgência: i. O decreto do estado de calamidade pública em Itu;
ii. O rompimento do contrato com a empresa concessionária e o fim da concessão;
iii. O fim da exploração da água para o lucro;
e iv. A participação popular no Comitê de Crise formado pela prefeitura e Estado de São Paulo para a gestão da água em Itu. Água é direito humano, essencial à vida, não pode ser mercadoria!

*Artigo publicado originalmente no site Viomundo.

psol50.org.br | 30 de Outubro