quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Mobilidade urbana: o que Curitiba (ainda) tem para ensinar?


Terminou no dia 10 de abril, em Curitiba, o Seminário Internacional de Uso do Automóvel na Cidade. O porquê de Curitiba ter sido escolhida para sediar o evento é uma boa questão. Deve ser pelo famoso BRT, desenvolvido e implantado na década de 70, copiado e amado pelo mundo. Interessante que um dos exemplos apresentados foi o seu uso em Buenos Aires (Argentina), mas o que realmente temos para mostrar desde o quase cinquentenário BRT? Curitiba está acabando com a integração do transporte metropolitano, vem insistindo em ciclovias mal projetadas e refeitas em tempo recorde com dinheiro público.
Durante o seminário, o que se viu foi nada mais que a repetição de chavões sobre mobilidade urbana. Compararam o nosso transporte público com o de cidades como Tóquio, Paris e Londres. Será que é possível fazer esta comparação? Nessas cidades há sistema de metrô e integração, além da educação cultural. De qualquer forma, eles também têm hora de rush, congestionamentos e as limitações impostas pelos veículos.
Porém, mesmo que essas cidades não fizessem mais nada para melhorar os seus sistemas de transporte coletivo, o Brasil demoraria mais de 100 anos para se equiparar a eles. Por aqui, além da questão cultural, do atraso em relação aos países desenvolvidos, ainda temos de lidar com a gestão pública, a burocracia e a corrupção.
A mobilidade urbana de Curitiba e do Brasil deve ser pensada a partir das pessoas. Precisamos refletir se abriríamos mão da nossa individualidade e do nosso conforto para andar de metrô, ônibus ou qualquer outro transporte coletivo. Quando paramos para analisar a precariedade e a superlotação do transporte público nos horários de pico, com certeza optamos pelo uso do carro, sua liberdade e sua autonomia.
Seguimos no campo das ideias, sem a parte prática para resolver um problema que a cada dia fica maior

Portanto, a solução da mobilidade urbana passa necessariamente por uma visão integrada ou pela oferta de soluções integradas, e especialmente sem o controle total do sistema pelo governo.
Por natureza e culturalmente, tornamo-nos individualistas, pouco ou quase nada preocupados com o coletivo, focados nas nossas próprias necessidades e prioridades. Esse papo de conscientização ajuda, é claro, mas não é determinante, pois, se consciência resolvesse algo, ninguém fumava ou bebia, pois todos temos consciência de que faz mal.
Não podemos seguir pelo caminho contrário, pois Curitiba necessita cada vez mais de um sistema de transporte coletivo integrado com uso ampliado para toda a região metropolitana. Vamos além: precisamos de um sistema de transporte individual, com pequenos automóveis urbanos para uma pessoa, econômicos e baratos, para atender àqueles que não abrem mão do conforto e da individualidade.
Outra solução prática passa pela implantação de um sistema de transporte alternativo, com vans para levar e pegar as pessoas por regiões, a exemplo do transporte escolar. Temos ainda o uso de sistemas de carona, que deve ser incentivado.
E que tal a implantação de um sistema de transporte individual, do tipo motorista particular, controlado por sistemas informatizados e a preços competitivos, liberados para outros operadores que não sejam apenas os táxis oficiais?
Para aumentar a polêmica sobre o tema, acredito que o caminho não está nas ciclovias (assunto tão aclamado ultimamente). É claro que devemos ter espaço para essa modalidade, mas precisamos ter a noção das distâncias que as pessoas precisam percorrer e do clima de Curitiba (vale ressaltar que nos últimos anos tivemos cerca de 160 dias de chuva!).
Discussões práticas como estas, no entanto, não fizeram parte do Seminário. A única novidade apresentada foi o lançamento de um prêmio para ideias sustentáveis. E assim seguimos no campo das ideias, sem a parte prática para resolver um problema que a cada dia fica maior.
Ademar Batista Pereira, educador, é diretor da Escola Atuação.

Fonte: Gazeta do Povo

13ª rodada de licitações de petróleo e gás: é preciso qualificar o debate sobre fracking e matriz energética brasileira

Por Julio Holanda
do Ibase
Fala-se na grande mídia que a 13ª rodada de licitações de petróleo e gás realizada pela ANP no último dia 07 de outubro foi um “fracasso”. Em grande parte isso se deve ao fato de que dos 266 blocos ofertados pela agência apenas 37 foram arrematados pelas empresas inscritas, uma porcentagem de apenas 14%, o segundo pior resultado desde o início dos leilões. De acordo com a diretora da Agência Nacional do Petróleo (ANP) o péssimo resultado teve influência direta dos baixos preços do barril do petróleo no mercado internacional e também da inédita ausência da Petrobras no leilão, por conta da grave crise política e do anúncio de desinvestimentos, uma vez que as demais empresas com frequência pleiteiam a parceria da estatal brasileira.
Com a falta de interesse das empresas em vários blocos, o resultado refletiu em uma menor arrecadação no bônus de assinatura – valor pago pelas empresas vencedoras à ANP. Para se ter uma ideia, se todos os blocos ofertados fossem arrematados pelo valor mínimo do bônus de assinatura estabelecido no leilão a arrecadação seria de aproximadamente R$ 978 milhões, valor muito acima dos R$ 120 milhões arrecadados no presente leilão. Destes, cerca de R$ 100 milhões refere-se apenas a 2 blocos arrematados pela Queiroz Galvão, única grande empresa participante.
Esse valor está bem abaixo das projeções estabelecidas em junho pelo Ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, que girava em torno de R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões. Se havia por parte do governo brasileiro a expectativa de que os recursos levantados no leilão poderiam ajudar a reduzir o déficit orçamentário e conseguir alcançar um superávit, sem dúvidas o leilão pode ser encarado como um verdadeiro fracasso, uma vez que o valor arrecadado ficou muito abaixo do esperado.
Foto: Julio Holanda
Foto: Julio Holanda
Ampliar o acesso à informação e radicalizar a democracia
Apesar das manifestações contrárias da sociedade civil durante a realização da 13ª rodada, o processo ainda é notadamente pouco participativo e democrático. Isso fica evidente à medida que as diferentes posições apresentadas tanto na 13ª como na 12ª rodada por movimentos sociais, pesquisadores, organizações da sociedade civil e Ministério Público, pouco ou quase nada são efetivamente incorporadas pela ANP.
A participação da sociedade civil é muito restrita nesse processo e acontece basicamente em três momentos. Nas audiências públicas, que são certamente um avanço e uma conquista popular, mas que se tornaram reuniões fechadas e pouco acessível à população, além de serem realizadas distantes das localidades mais diretamente afetadas pelos projetos – no caso da 13ª rodada a audiência ocorreu no Rio de Janeiro, apesar do leilão ter envolvido pelo menos outros 12 estados da federação. Além de mais dois momentos: os seminários técnico-ambiental e o jurídico-fiscal. Nesses encontros, a maior parte do público são representantes das empresas, interessados em saber quais blocos são mais vantajosos para seus negócios e a linguagem excessivamente técnica dificulta e muitas vezes inviabiliza um maior diálogo com a sociedade.
Esses espaços certamente deveriam servir para tornar mais evidente os potenciais riscos de impactos socioambientais para ecossistemas e populações que moram nas localidades onde os blocos estão sendo ofertados. O que se percebe é que os seminários da ANP têm servido, no modelo atual, muito mais para subsidiar a decisão das empresas do que para contribuir no posicionamento da sociedade civil e na construção de um processo efetivamente democrático.
Sociedade civil em alerta: a ameaça permanente do fracking!
Foto: Julio Holanda
Foto: Julio Holanda
Desde 2013, quando a ANP anunciou no edital da 12ª rodada de licitações a possibilidade de exploração de recursos não convencionais através do fraturamento hidráulico (fracking) em território nacional, movimentos sociais, organizações da sociedade civil, pesquisadores e o Ministério Público alertam para os graves riscos e ameaças relacionados ao uso dessa técnica. Mesmo com o posicionamento contrário dessas entidades, a ANP realizou a 12ª rodada de licitações em outubro de 2013 “abrindo o caminho” para o avanço do fracking no Brasil – em que pese o processo de judicialização que impede essa atividade em alguns estados e os projetos de lei de moratória em alguns municípios do Paraná.
Apesar de a ANP não incluir explicitamente no edital da 13ª rodada a possibilidade de exploração dos recursos não convencionais, como ocorreu em 2013, possivelmente para evitar contestações e processo de judicialização, a ameaça persiste no leilão realizado neste ano, bem como nos demais já realizados anteriormente pela agência. Isso se deve ao fato de que a ANP publicou em 2014 uma resolução que regulamenta a técnica de fraturamento hidráulico em reservatórios não convencionais para os “detentores de direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural”, ou seja, todas as empresas detentoras de concessão de blocos de qualquer rodada, inclusive a 13ª, estão legalmente permitidas à utilizar essa técnica desde que submetidos ao órgão ambiental competente.
Ciente disso, a sociedade civil tem estado em alerta com a ameaça do fracking em território nacional. Neste ano, por exemplo, foi realizado pelo Ibase em conjunto com Asibama-RJ e o Fórum dos Atingidos pelo Petróleo e Petroquímica das cercania da Baía de Guanabara (FAPP-BG) uma roda de debate sobre a temática, com a participação de diferentes organizações sociais, pensando estratégias comuns e refletindo sobre os principais riscos e ameaças dessa técnica, a saber: o uso excessivo de água; contaminação do solo, das pessoas, ecossistemas e recursos hídricos; sobreposição com terras indígenas e unidades de conservação e contribuição às mudanças climáticas – muitos desses riscos já relatados e comprovados em artigos e publicações científicas.
Durante a realização da 13ª rodada representantes de etnias indígenas do Acre alertaram para as ameaças do uso dessa técnica em seus territórios, chamando atenção para casos anteriores de conflitos com a exploração de petróleo na região e a Coalizão Não Fracking Brasil (COESUS) realizou protesto contra o fracking, de acordo com o coordenador da organização, “jamais aceitaremos silenciosamente a exploração de qualquer modelo de exploração não convencional, pois primamos por nossas vidas”. Houve também manifestação do Sindipetro-RJ, que esteve presente com carro de som e distribuindo a cartilha “Todo petróleo tem que ser nosso”. De acordo com um dos diretores do sindicato, “estamos solidários com os indígenas e dizemos não aos leilões do petróleo”.
A vigilância por parte da sociedade civil se faz necessária considerando-se os resultados do presente leilão. Se para a indústria do petróleo como um todo pode-se considerar um resultado frustrante, para o avanço do fracking no país não pode ser dito a mesma coisa. Das 10 bacias sedimentares ofertadas, apenas quatro tiveram blocos arrematados, sendo que as mais disputadas e com maior número de blocos negociados, as Bacias do Recôncavo e Parnaíba, 18 e 11 blocos respectivamente, são as indicadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME) com maior potencial de exploração do gás não convencional. De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia, documento elaborado pelo MME, o governo brasileiro projeta que a produção de recursos não convencionais tenha início em 2022, atingindo valor significativo em 2024, começando nas bacias do Recôncavo, Parnaíba e São Francisco.
Uma das principais preocupações relacionadas ao fracking refere-se ao uso excessivo de água. Estima-se que para cada poço de recurso não convencional seja necessário entre 9 e 29 milhões de litros de água (Parecer Técnico GTPEG Nº 03/2013, pág 51). O primeiro poço de fracking na Argentina, por exemplo, utilizou 30 milhões de litros de água. Cabe salientar que os blocos arrematados na Bacias do Recôncavo e Parnaíba estão localizados na região brasileira que historicamente tem convivido com os efeitos da estiagem, mais precisamente nos estados da Bahia, Maranhão e Piauí. Esses estados têm apresentado os maiores números de municípios em situação de emergência em razão do déficit hídrico. Em junho de 2015, de acordo com a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional, a Bahia possuía 106 municípios reconhecidos nesta situação e o Piauí 152.
A problemática da seca no Nordeste, região indicada pelo MME como uma das prioritárias para que se tenha início a produção do gás não convencional, não é apenas de falta de água, pois o Brasil é reconhecidamente um dos países que detém as maiores reservas de água doce no mundo, mas principalmente de gestão desses recursos. Assim, o uso dos recursos hídricos para o fracking tende a disputar esse recurso com outras atividades já instaladas na região, também hidrointensivas, como o agronegócio, setor industrial e a mineração, em que todas se sobrepõem ao uso da água para a agricultura familiar e pequenas produções. Nesse sentido, se faz necessário uma revisão dos contratos de outorga para essas atividades na região, tendo em vista todas as sobreposições que já existem.
Matriz energética e modelo de desenvolvimento: um debate necessário
Em setembro a presidenta Dilma anunciou o compromisso voluntário do governo brasileiro em reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e 43% até 2030, tendo por base as emissões de 2005, a ser apresentado na COP-21 em Paris5. Apesar de representar um certo avanço em relação as posições assumidas pelo país, a meta é visivelmente insuficiente, tendo em vista que a base de comparação deveria ser 1990 e não 2005, ano em que as emissões nacionais estiveram próximo do pico máximo. Pode-se dizer também que a meta é bastante tímida, frente aos desafios que a atual problemática climática e socioambiental exigem e do potencial que o Brasil tem de protagonizar modelos alternativos e soluções sustentáveis.
Entretanto, o leilão recém realizado pela ANP sugere que o discurso oficial do governo se contradiz com a sua prática, pois o Brasil ofertou quase 300 blocos para exploração de petróleo e gás, ampliando ainda mais a dependência desses recursos na matriz energética. Mesmo que não tenha sido de forma proposital ou planejada, mas sim por contingência da conjuntura e dos interesses das empresas petroleiras, o menor número de blocos arrematados indica uma menor exploração de petróleo e gás no país, pelo menos em comparação ao cenário em que a totalidade dos blocos fossem negociados.
Mas infelizmente esse é um cenário temporário, pois ainda vai ocorrer a “segunda etapa” da 13ª rodada em dezembro deste ano, referente as áreas inativas com acumulações marginais. Essas áreas referem-se a campos produtivos ou em fase de desenvolvimento, que foram devolvidos à ANP pelos antigos operadores. Os mesmos encontram-se distribuídos em 6 bacias sedimentares: Barreirinhas, Potiguar, Tucano Sul, Espírito Santo, Paraná e Recôncavo. Além disso, observa-se fortes indícios de aprofundamento do padrão de dependência dos combustíveis fósseis nos próximos anos. Não há no curto ou médio prazo, uma proposição de redução significativa ou pelo menos de revisão do atual modelo e ritmo de exploração de petróleo e gás no país. Uma das evidências é o cenário elaborado pelo Plano Decenal de Energia (PDE) que prevê um aumento considerável na produção nacional de petróleo, passando dos atuais 2 milhões de barris por dia (bpd) para cerca de 5 milhões bpd até 2022, para atender principalmente o setor de transportes. Ao que tudo indica a máxima “explorar até a última gota” segue vigente.
Assim, é necessário a construção de uma agenda ampla de debates sobre a matriz energética brasileira e o atual modelo de desenvolvimento, que gira em torno de três problematizações básicas: “Energia para que? Para quem? E como essa energia vai ser gerada?”. Não é suficiente que a sociedade esteja envolvida apenas no debate do “como” a energia deve ser gerada, que é apenas a ponta do iceberg. Os debates e articulações setorizadas sobre as diferentes formas de geração de energia e suas implicações são necessárias, sem dúvidas, mas é preciso ampliarmos o debate e entendê-lo em sua complexidade.
Hoje, por exemplo, temos poucos setores produtivos que consomem quantidade significativa de energia, enquanto há populações no Brasil que não têm energia residencial ou que sofrem com racionamentos diários. Então, a primeira pergunta questiona se queremos mesmo o atual modelo de desenvolvimento, que privilegia alguns setores produtivos e que tem gerado impactos socioambientais crescentes. E quais os setores realmente devem ser priorizados? Não está amplamente transparente e divulgado para a população quais são as atividades que mais consomem energia e o que é feito com ela.
Além disso, precisamos nos questionar para quem essa energia é gerada e quem são os principais beneficiados. Para se ter uma ideia, ao mesmo tempo que existem grandes empresas que recebem subsídios do governo para obter energia, a população de São Paulo, por exemplo, teve um reajuste na conta de energia de aproximadamente 80% em apenas dois anos e meio.
A última pergunta, “como a energia vai ser gerada?”, nos faz questionar se precisamos mesmo de mais projetos como Belo Monte, Tapajós e termelétricas. O nosso problema é de oferta ou de gestão da energia que tem sido gerada? Assim, precisamos discutir, em paralelo, quais as fontes de energia que precisamos para atender as nossas necessidades de modo socialmente justo e ecologicamente equilibrado. Não podemos mais insistir em um modelo depende de combustíveis fósseis, mas também não é toda “alternativa”, implementada de qualquer maneira, que vai ser necessariamente justa e sustentável. É crescente o número de grupos sociais localizados em territórios próximos aos parques eólicos, por exemplo, que denunciam que essas atividades geram impactos negativos aos ecossistemas e ao modo de vida local, além dos já relatados e difundidos envolvendo a geração hidroelétrica e nuclear.
No caso brasileiro é preciso planejamento por parte dos órgãos públicos, mas com ampla consulta prévia à sociedade civil e principalmente às localidades mais diretamente afetadas pelos projetos. O modelo do “tudo agora ao mesmo tempo” não tem se mostrado eficiente, sempre a partir de uma pretensa “necessidade” de gerar mais energia e diversificar a matriz. O Brasil têm investido de modo complementar nas mais variadas fontes de energia, como hidroelétricas, usinas nuclear, eólica, termelétricas, petróleo e gás natural (pré-sal e a expectativa de inclusão do fracking), pequenas centrais hidrelétricas, setor sucroalcooleiro etc, sem que com isso tenhamos conseguido resolver os problemas sociais e ambientais, que só se agravam. É preciso reforçar o questionamento sobre essas ditas “necessidades”, muitas vezes naturalizadas no cotidiano, ou seja, estamos tratando de uma matriz energética para atender qual modelo de desenvolvimento?
Os desafios são enormes, mas se nos basearmos nos exemplos de lutas e reivindicações contra-hegemônicas que surgem no interior da sociedade civil, certamente teremos indícios de que outro modelo de desenvolvimento não só é possível, mas que já existe, é real e está sendo construído e experimentado em diferentes localidades, em diferentes escalas. A partir dos saberes, práticas e experiências das populações locais e movimentos em resistência, seja através das práticas agroecológicas, da permacultura, do turismo comunitário, da economia solidária, das práticas indígenas e tradicionais, da geração descentralizada de energia eólica e solar e das práticas de convivência com o semi-árido. Cabe a nós visibilizá-las e fortalecê-las no debate público.
Fonte: Canal Ibase

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A Petrobras e o Brasil

A Petrobras é nossa!


Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
No delicado momento político que atravessa a Petrobras penso que se torna fundamental relembrar o que ela significa para a economia, a sociedade e a democracia no Brasil. Precisamos, cidadãs e cidadãos brasileiros, nos por em alerta e estar prontos a defender um dos maiores patrimônios por nós criados ao longo de gerações. Isto não significa defender os envolvidos pegos com a “mão na massa” pela operação “Lava Jato” da Polícia Federal. Aliás, tanto eles como os seus cúmplices, executivos de grandes empresas, e todos que de algum modo se beneficiaram do esquema de corrupção merecem o repúdio da cidadania, que exige justiça acima de tudo, dentro de critérios republicanos e de justiça democrática, sem privilégios de classe ou de poder.
 O fato da última semana, a destituição da presidenta Foster e a renúncia de sua diretoria, com a nomeação de um novo presidente, é, sem dúvida, um sinal de que a Petrobras navega em meio à tempestade. Hoje, porém, a Petrobras desenvolveu tecnologia para explorar petróleo em águas profundas, bravias, e tem um corpo técnico de milhares de pessoas, tanto diretamente assalariados como prestadores de serviços, que sabem dar conta do recado. Mais, eles se sentem e agem como os verdadeiros representantes da cidadania lá, garantia para que a Petrobras dê conta do mandato que lhe damos. O que a Petrobras precisa é de um claro sinal de que estamos a seu lado, faça chuva, faça sol. Estamos aí, como cidadãos e como democratas, a defender o que é um dos bens comuns maiores que criamos e essencial para a nossa democracia. Não é a primeira vez que a Petrobras passa por dificuldades assim, e nem será a última. E não será desta vez que a cidadania do Brasil perderá a Petrobras.
Há muito tempo o Brasil luta por autonomia, talvez por altivez. Nunca demonstramos vontade de dominar outros povos, mas também não aceitamos que nos dominem, nem queremos ser simplesmente subalternos, subordinados que aceitam servir à hegemonia de quem quer que seja. Alguém vai lembrar e dizer que o capitalismo é assim mesmo, com um império e seus asseclas para dominar o resto. E quem disse que a cidadania do Brasil pensa e almeja isto? O interesse nacional, se é que existe, é um pacto entre a diversidade do que somos. Não nos venham impingir como interesse nacional o interesse de uma certa fração de classe dominante, que acha seus interesses contemplados numa dependência submissa ao imperialismo capitalista de turno. Sim, eles também mudam, pois o capitalismo é, por definição, para poucos, os mais fortes e competitivos nos mercados selvagens, com arsenais e exércitos se necessário. Só que existe cidadania e isto faz uma enorme diferença, como a pequena Grécia acaba de demonstrar.
 A Petrobras existe enquanto tal porque a cidadania quis ter a questão energética ligada ao petróleo sob controle estatal. Luta árdua lá no começo, nos anos 50 do século passado, e luta árdua ao longo da história da Petrobras. Ela sobreviveu à “privataria” dos anos 90 e, depois da descoberta do pré-sal, voltou ao protagonismo de sempre. Mas os interesses privados derrotados não esmorecem, estão de plantão na menor oportunidade. Hoje a maior ameaça para a nossa Petrobras são as forças pró-privatização. A corrupção veio a calhar e reanimou a sanha privatista. Logo sobre um grande bem comum, como a energia que todos precisamos de algum modo.
É bom, nesta hora de dificuldades, comparar a situação da Petrobras com o resto do setor energético brasileiro. A geração e distribuição da vital energia elétrica para o modo que vivemos hoje foram irresponsavelmente desestruturados pela privatização e estão no centro de uma enorme crise sistêmica, mais de contradição entre interesses públicos e interesses privados do que clima e gestão. O mesmo não pode acontecer com o petróleo.
 Aqui cabe lembrar a difícil equação entre petróleo e sustentabilidade. A energia fóssil é o grande vilão da mudança climática. Não dá para ignorar isto ao falar da Petrobras. Mas a questão é que não existe, no imediato, uma saída para a grande dependência civilizatória, por assim dizer, do que a energia fóssil oferece como possibilidade e sua presença absoluta no nosso cotidiano. Pior, existe uma geopolítica mundial atrelada à questão da energia fóssil, no centro da própria disputa imperialista, como neste momento a questão da Ucrânia e as contradições do Oriente Médio e Afeganistão revelam, com guerras e fundamentalismos inaceitáveis.
 Voltando à nossa Petrobras, é fundamental que se afirme a hegemonia pública sobre ela e seu caráter de bem público do Brasil. Resguardemos para a cidadania a possibilidade do que fazer e como fazer a melhor gestão das grandes reservas de petróleo e gás do território do planeta que nos cabe cuidar, bem como de nosso reconhecido saber e capacidade de lidar com isto. Deixemos para depois a questão sobre como usar as reservas e a garantia de deixar para gerações futuras o que nós, por enquanto, utilizamos como energia a ser queimada. Firmemos um compromisso básico entre nós: a  Esta é a base a preservar inteira, como algo único e indispensável. Depois discutiremos o resto. Mas discutiremos, sem dúvida!
Fonte: Canal Ibase

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Mobilidade e economia, uma equação mal resolvida

Quando Henry Ford massificou a produção de veículos, desejava entregar às pessoas um meio de transporte individual e motorizado que trouxesse mobilidade por um valor mais acessível. Com a ideia da linha de produção, Ford possibilitou que qualquer produto pudesse ser montado de forma seriada, colocando a engenharia a serviço do consumo e trazendo emprego para grande parte da população. Mas a solução para mobilidade apresentada por Ford não previa efeitos colaterais, como emissão de gás carbônico na atmosfera, congestionamentos e acidentes de trânsito.
Na história da evolução da sociedade, de tempos em tempos, conforme surgem os problemas, soluções aparecem em grande número, em diversos pontos do planeta e com enfoques diferentes. A visão de um pesquisador alemão é diferente da visão de um pesquisador chinês e ambas estão relacionadas ao ambiente em que vivem. Porém, estas soluções, estudadas e pensadas em departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento, divulgadas em congressos, simpósios e revistas especializadas ao redor do mundo, precisam ser interessantes do ponto de vista econômico; afinal de contas, é assim que o mundo funciona. Ideias viáveis financeiramente são implementadas com maior facilidade.
Em Curitiba, apesar do BRT, o modelo fordiano de produção ainda está enraizado na economia
Na Alemanha, por exemplo, a cidade de Bremen ganhou o Prêmio de Mobilidade Urbana Sustentável (Sump) 2014, concedido pela Comissão Europeia para o Transporte, por apresentar como solução de mobilidade um sistema que prevê o uso de bicicletas e carros compartilhados, que podem ser retirados e entregues em diversos locais da cidade, conhecido como car share. Atualmente, 60 estações estão espalhadas pela cidade e a previsão é de que haja 80 delas até o fim do ano. Para tanto, a mentalidade e economia da cidade foram modificadas. Enquanto as lojas oferecem estacionamento para bicicletas, e não carros, as escolas se encarregam de mudar a mentalidade das crianças. Normas de construção exigem que todo edifício tenha garagens especiais para meios de transporte não poluentes e o marketing da cidade foi construído com base no lema Use it, don’t own it (use, não possua). Um exemplo de solução que funciona desde que apoiada por diversos setores da sociedade em que foi implantada.
Na Universidade de Michigan, nos EUA, o projeto Sustainable Mobility and Accessibility Research and Transformation (Smart) trata de pesquisas para a mobilidade e acessibilidade que englobam desde o uso de combustíveis de fontes limpas até o investimento em novos negócios, de parceria público-privada. São opções que oferecem mais possibilidades de escolha para o transporte e que paralelamente geram novos empregos, permitindo a transição do modelo econômico anterior, baseado no consumo, para um novo modelo de economia sustentável.
Glen Weisbord, presidente do Economic Development Research Group, de Boston, e autor do artigo “Impacto econômico do investimento em transporte público: a experiência americana e sua aplicabilidade”, apresenta um estudo que comprova que os investimentos em transporte público podem gerar mudanças nos postos de trabalho, geração de novos empregos, aumento da renda e diminuição de custos em diversos setores da economia. Apesar das despesas, dados demostram que para cada US$ 1 bilhão investido em transporte público nos EUA, existem US$ 2 bilhões de valor agregado ao PIB, incluindo US$ 1,8 bilhão em salários que suportam mais de 41 mil novos postos de trabalho.
Em Curitiba, apesar do excelente modelo de transporte público implantado há mais de 40 anos, o chamado Bus Rapid Transit (BRT), o modelo fordiano de produção ainda está enraizado na economia. As montadoras movimentam o mercado há mais de 50 anos e várias pequenas empresas cresceram neste período produzindo acessórios, peças e equipamentos para abastecer grandes fábricas. O número de veículos aumentou exponencialmente e, como resultado, temos dificuldade para respirar e para chegar ao destino final todos os dias. Além disso, o Paraná encontra-se entre os dez estados brasileiros com maior número de óbitos no trânsito – 40% das mortes são de pedestres.
Para mudar esta realidade, a cidade estuda maior integração de modais, implantação de vias calmas e até mesmo o bloqueio de determinadas ruas no Centro da cidade para evitar o elevado fluxo de carros. Para tanto se fazem necessários investimentos para capacitação e geração de novos empregos no setor, campanhas que priorizem o transporte coletivo e de mecanismos que não permitam que esses projetos não se percam nas gestões seguintes.
Adriana Regina Tozzi Pontoni é coordenadora geral do curso de Engenharia Civil do UniBrasil Centro Universitário.

Fonte: Gazeta do Povo

O Novo Código da Mineração: o que você precisa saber para entender o que está em jogo e se posicionar

Por Alessandra Cardoso
do Inesc
O Projeto de Lei que cria um novo Código da Mineração foi enviado pelo governo e está em tramitação na Câmara dos Deputados desde junho de 2013. Agora, dois anos mais tarde, e depois de muita disputa e mudanças, o Projeto está chegando à sua fase terminal na Comissão Especial criada para apreciar a matéria. O relatório está previsto para ser votado no dia 23 de setembro, depois disso ele será submetido ao plenário da Câmara, seguindo depois para o Senado.
Esta nova tentativa de votar o relatório ocorre em um momento difícil da política, economia e sociedade brasileira. Muitos temas da agenda antidemocrática e de retrocessos a direitos tais como a PEC 215, o PL da Terceirização, a PEC da Redução da Maioridade Penal, o Estatuto da Família e a flexibilização do Estatuto do Desarmamento avançam sob o discurso falacioso de promover o saneamento econômico, social e moral.
Uma parte desta agenda de retrocessos, aquela que envolve diretamente interesses econômicos, foi recentemente empacotada por Renan Calheiros no Senado com o nome de Agenda Brasil da qual o Novo Código de Mineração faz parte. Em outras palavras, sob o pretexto de construir saídas para a crise econômica e incentivar o crescimento do setor mineral o Código figura, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, na lista de projetos prioritários. No comando deste processo está o setor mineral, em especial seu segmento internacionalizado cujos interesses estão super-representado no Parlamento e notadamente na Comissão Especial majoritariamente constituída por parlamentares financiados pelas mineradoras.
Enfim, o contexto sinaliza que o Código da Mineração em breve terá um desfecho no Congresso. E como, diferente do que muitos imaginam, este é um tema que afeta diretamente nossas vidas, tentaremos traduzir em três tópicos a complexidade do debate em torno do Novo Código da Mineração com a intenção de mostrar que o que está em jogo é concreto, simples de entender e diz respeito a todos nós.
Acesso às riquezas minerais:
Este é o tema de fundo que está por trás da disputa entre governo e o relator do Código da Mineração, o Deputado Leonardo Quintão, parlamentar mineiro ligado ao setor eassumidamente financiado pelas mineradoras.
A proposta enviada pelo governo tinha uma clara intenção de promover uma maior regulação do setor mineral, em especial por meio da mudança no regime baseado no “direito à prioridade”, que é aquele em que o interessado, pessoa física e jurídica, requer o direito de explorar determinada área de pesquisa ou lavra e, por ter chegado primeiro, tem a prioridade naquela exploração.
Este regime tem como base o interesse exclusivo do setor mineral, sem mediação pública sobre quais recursos deveriam ser prioritariamente explorados, em que condições sociais, ambientais e trabalhistas, e com que intensidade e retorno para a sociedade por meio da apropriação pelo Estado da renda mineral. Desta forma, uma das intenções do governo era mudar o regime baseado na autorização para um regime baseado no princípio da licitação. A proposta do governo, pensada a partir do modelo vigente no setor de energia, traduziria uma maior regulação do acesso aos minérios – que são finitos e, por determinação constitucional, pertencentes à União, e por extensão deveriam ser explorados em benefício da sociedade brasileira, não em benefício quase exclusivo de meia dúzia de transnacionais.
Apesar do Projeto do governo padecer de inúmeros problemas, ele tinha como um ponto forte e positivo a intenção de regular o acesso e exploração do minério com base em alguma coisa que se aproximava do interesse público. Com base na lógica da “participação da União no resultado da lavra” como uma remuneração ofertada pelos concorrentes ao ente licitante, a proposta previa ainda que lavras com alto potencial de extração de riquezas minerais pudessem pagar rendas adicionais nas formas de participação especial, bônus de assinatura e bônus de descoberta.
Este regime proposto como a espinha dorsal no Novo Código, válido tanto para a pesquisa como para a concessão de lavras, causou um descontentamento geral no setor mineral, em especial das grandes mineradoras, super representadas na Comissão Especial. Considerada, excessivamente, intervencionista pelo relator-setor – leia-se menos rentável – ela foi totalmente desconfigurada e esvaziada.
No relatório que está prestes a ser votado, a licitação somente é válida para áreas consideradas “áreas livres”.
Artigo 8° § 2º Somente as áreas livres caracterizadas pela existência de recursos ou reservas minerais poderão ser objeto de concessão precedida de licitação.
Mas o que são estas “áreas livres” na definição dada pelo relatório?
“III – área livre – área que não esteja bloqueada, destinada à licitação ou que não seja vinculada a direito minerário, desde que:  a) não exista sobre a área pedido de autorização de pesquisa, salvo se este estiver sujeito a indeferimento por interferência total;  b) a área não esteja com o relatório dos respectivos trabalhos de pesquisa tempestivamente apresentado e pendente de aprovação; e c) a áreanão esteja com relatório dos respectivos trabalhos de pesquisa aprovado e na vigência do direito de requerer a concessão da lavra, por meio da apresentação do plano de aproveitamento econômico.”
Ou seja, o relatório tira do regime de licitação uma parcela com certeza relevante ,embora ele não tenha dito quanto, de áreas de pesquisa e lavra, esvaziando seu alcance.
Adicionalmente, o relatório aposta na dificuldade operacional do governo em disponibilizar as áreas que sobraram. Para isso, estabelece prazos irrealistas com a intenção óbvia de obrigar que o governo coloque em disponibilidade, para o “bel lucro” do setor, áreas do seu interesse e que ainda estão “livres do controle imediato do setor”. Por exemplo, o relatório estabelece que, se o Poder concedente negar a autorização de pesquisa em uma área em que pretenda realizar a pesquisa mineral para fins de futura licitação, ele terá o prazo de seis meses para iniciar a realização do estudo.
A lógica do relatório é simples: cria regras para fazer de conta que busca mediar e conciliar interesses, quando na realidade esvazia o poder do Estado de regular o acesso pelo setor privado às riquezas minerais.
Mas também não sejamos ingênuos em relação à proposta original do governo. Claro que sua intenção, tal como das mineradoras, era expandir a mineração: um de olho nos lucros e outro de olho nos superávits primários. A diferença era que o governo tentou fazer isto garantindo um maior controle e apropriação pelo Estado da chamada renda mineral. Enfim, o que estava explicitamente em jogo era uma disputa entre o setor e o governo, por menos ou mais regulação, em um contexto de crescimento da produção, da exportação e dos preços, todos puxados pela demanda chinesa. Vale lembrar que, no semestre de envio do Projeto do Governo ao Congresso, os preços do minério de ferro, principal produto da economia mineral brasileira e responsável por 89% das exportações de minérios, ainda estavam elevados, em média U$ 120/tonelada. Hoje, com o arrefecimento da demanda chinesa, a cotação está em pouco mais de U$ 50/tonelada, embora do ponto de vista do setor, sua alta rentabilidade tenha sido bastante preservada com a desvalorização do real.
Neste contexto, a sanha das grandes mineradoras, em sua maioria transnacionais, por lucros extraordinários se reverteu em uma tentativa de desconstruir o projeto enviado pelo governo retirando dele tanto os principais dispositivos que implicavam em maior controle pelo Estado no acesso aos recursos quanto do seu poder de se apropriar da renda mineral.
Direitos socioambientais
A mineração, embora uma atividade circunscrita a áreas relativamente pequenas em função da sua rigidez locacional, tem um elevado impacto social e ambiental. Os principais impactos ambientais estão vinculados ao uso intensivo da água e a contaminação da água e do solo. Casos chocantes como o da contaminação por arsênio na mineração de ouro em Paracatu, ou pelos rejeitos da bauxita emBarcarena, não são raros como talvez alguns imaginem. O impacto social e ambiental afetam não só o meio ambiente, mas toda a vida ao redor. Muitas vezes esse impacto adquire escala regional, como é o caso da contaminação da água e sua restrição em função do uso intensivo tanto na extração do minério quanto no seu transporte por minerodutos.
paracatu
Os casos de impactos, muitos dos quais já viraram processos judiciais, não são exemplos de um passado onde a legislação ambiental era menos exigente. Quem acompanha processos de licenciamento ambiental no Brasil sabe que apesar de termos uma legislação relativamente avançada, na prática eles padecem de inúmeras fragilidades: pouca escuta a comunidades impactadas e grande dificuldade de internalizar no processo de licenciamento ações, recursos e monitoramento efetivo de impactos sociais e suas medidas de mitigação e compensação; baixa capacidade de monitoramento das condicionantes e dos projetos de mitigação acordados no âmbito do licenciamento, que muitas vezes se estendem por décadas e ao longo da vida útil do empreendimento; alta interferência política nas decisões do licenciador, que muitas vezes permite que se leve adiante obras e projetos a despeito de sucessivos descumprimentos das ações previstas, e até de danos irreversíveis ao meio ambiente e às vidas das pessoas afetadas.
Não é aceitável que o Projeto enviado pelo governo, e o relatório apresentado na Comissão Especial, se esquivem de dizer explicitamente e objetivamente quais os compromissos do minerador para com o meio ambiente e as comunidades afetadas. Não resolve como está no relatório, colocar conceitos como “comunidade impactada” e “preocupação com meio ambiente” como “princípios e diretrizes” se isto não vier acompanhado no texto da Lei de Artigos e Parágrafos que digam como e quando esses compromissos com o meio ambiente e as pessoas serão levados em consideração tanto pelo governo como pelo minerador.
Depois de muita conversa, pressão e demanda para mudar este texto puxada pelo Comitê em Defesa dos Territórios Frente à Mineração e pelos trabalhadores da mineração representados pelos seus sindicatos, o Relator ainda insiste em dizer que não há necessidade de prever no Código o cumprimento da legislação ambiental e trabalhista sob o argumento de que ela já existe e é cumprida. Os acidentes de trabalho, os casos assustadores de câncer em comunidades que vivem no entorno da mineração, da contaminação da água e do solo e de destruição das vidas de comunidades inteiras estão aí para mostrar que a legislação é frágil e precisa ser fortalecida, e não enfraquecida como está hoje no relatório preliminar prestes a ser votado.
Apropriação e Repartição da renda mineral
A mudança na base de cálculo da Compensação Financeira pela Exploração do Minério (CFEM) do faturamento líquido para o faturamento bruto é um dos poucos avanços que foi mantido no relatório. Vale dizer que o termo CFEM às vezes engana, pois remete a ideia de se compensar por um estrago causado quando na realidade, com base na nossa Constituição, expressa a parte do bolo da riqueza mineral que é atribuída ao Estado por ser a União detentora do subsolo. Quer dizer, na prática é a parte da riqueza mineral que cabe aos brasileiros, o que poderia também se denominar royalties.
Compreendendo desta forma, a mudança na forma de se calcular esta compensação que antes se dava pelo faturamento líquido (descontando ICMS, PIS, COFINS e despesas de transporte e seguro) para o faturamento bruto amplia a sua arrecadação.
Contudo, no relatório do Deputado Leonardo Quintão o que foi mantido com uma mão foi tirado com a outra. Se na proposta do governo, já tímida e influenciada pela pressão do setor, a CFEM poderia chegar até 4% do faturamento bruto, no relatório apresentado ela fica amarrada a lei aos preços dos minérios cortando, na prática, pela metade do que é hoje. Hoje, o minério de ferro paga 2% do faturamento líquido. Na proposta do relator-setor foi criado um sistema de banda que varia de 1% a 4% a depender da cotação internacional dos minérios. Na prática, ele pagaria na cotação de hoje, que especialistas apostam que se manterá por muito tempo, apenas 1%.
Ou seja, se o ganho com a mudança da base de cálculo representa algo em torno de 10 a 20%, a perda de 2% para 1% representa 50%. A quais interesses esta proposta atende?
Não é demais lembrar que o Brasil tem um dos mais baixos royalties entre os principais países produtores de minérios. Além disto, não se sabe no Brasil qual a tributação efetiva da mineração em especial das grandes mineradoras que têm um sem número de isenções. Para citar algumas: isenção de ICMS para exportação (Lei Kandir); 100% de isenção de ICMS para circulação interna no estado do Pará; isenção de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica na Amazônia (concedido pela Sudam).
Dividindo a CFEM para ganhar apoio político de prefeitos
Mais uma vez, para fazer de conta que atende a amplos interesses, o Relator da matéria apresentou uma mudança na forma de partição da CFEM na tentativa de ampliar aliados para a defesa e aprovação do seu relatório. A solução proposta, bem ao estilo mineiro (para não contrariar demais os interesses estabelecidos) é tirar 5% das prefeituras, 3% dos estados e 2% da União para compor uma espécie de Fundo com 10% da CFEM para ser distribuído entre centenas de municípios cujas populações têm suas vidas impactadas pela mineração.
Esta solução, embora tenha algum mérito por reconhecer o impacto social e ambiental da cadeia de extração e transporte dos minérios, claramente é alegórica e paliativa. Em primeiro lugar porque os valores são irrisórios. Para termos uma ideia, se todo o minério de ferro de Carajás fosse transportado pela Estrada de Ferro de Carajás que corta e impacta 23 municípios do Maranhão, e mais dois do Pará (além de Parauapebas e Marabá), teríamos a bagatela de R$ 1,5 milhão por município impactado. Isto, considerando os valores pagos pela CFEM em 2014 pela extração do minério de ferro de Carajás. Com a redução da CFEM de 2% para 1% como prevê o relatório e mesmo considerando a mudança na base de cálculo, estes valores seriam ainda menores.
Este valor representa hoje, por exemplo, 6,4% do que a população destes municípios recebeu de Bolsa Família (R$233 milhões) ou 7,52% de transferências da União para Educação (R$ 270,95 milhões) ou 4,21% das transferências pra saúde (R$ 151,86). Que diferença irá fazer isto na vida das comunidades impactadas?
Além disto, a dificuldade de operacionalização da divisão deste Fundo será gritante. Caberá a Agência Nacional da Mineração (a ser criada) o desafio de regulamentar como será a divisão destes 10% com base no grau de impacto da mineração em cada município impactado.
Mineração acima de todos os interesses nacionais, livre de perturbações, nas Unidades de Conservação (e na lua)
Entre as muitas barbaridades presentes no relatório estão:
1) A tentativa de alçar a mineração leia-se os interesses das mineradoras, acima de todos os demais interesses nacionais: “Art. 119. A criação de qualquer atividade que tenha potencial de criar impedimento à atividade de mineração depende de prévia anuência da ANM”.
2) A tentativa de reforçar a criminalização do direito legítimo dos trabalhadores e dos atingidos pela mineração de protestarem e pressionarem o setor e o governo para que a lei seja cumprida e seus direitos sejam garantidos: Artigo 2°; inciso VIII: é papel do poder público “proteger a atividade mineral regular contra embaraços e perturbações”.
3) Permitir a mineração em Unidades de Conservação. O Artigo 136 do relatório estabelece que “Nas unidades de conservação de uso sustentável é permitida a exploração de recursos minerais, incluídos dentre seus objetivos de manejo a pesquisa, a lavra, o beneficiamento, o transporte e a comercialização de recursos minerais, desde que atendido o disposto no art. 10º da Lei nº 6.938, de 21 de agosto de 1981, cabendo o licenciamento ambiental ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA”. Esta medida, absurda, representa uma boa síntese da disposição do relator da matéria em garantir a qualquer custo e de forma inconsequente à ampliação da fronteira mineral no Brasil.
Este relatório tem condições de ser votado dia 23 de Setembro?
O relator deputado Leonardo Quintão (PMDB/MG), a despeito das críticas do Comitê e de vários outros deputados que compõem a Comissão Especial e da posição do governo de que este texto apresentado é ruim e não tem condições de ser votado, promete realizar esta votação no dia 23 de Setembro, e para isto conta com o apoio do deputado Gabriel Guimarães (PT/MG) como presidente da Comissão Especial.
Nós, do Inesc, em conjunto com centenas de organizações e movimentos sociais que compõem o Comitê em Defesa dos Territórios Frente à Mineração dizemos que NÃO!
Esse relatório representa um retrocesso histórico e trará prejuízos ainda maiores aos municípios e comunidades já atingidas pela mineração e a toda sociedade brasileira.
Fonte: Ibase

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Programa Gripen vai impulsionar a indústria aeroespacial

Parceria

A estimativa é alavancar as oportunidades de negócios e intensificar a cooperação técnica entre os países

Publicado19/10/2015 17h15
Blog do PlanaltoO programa gera um círculo virtuoso de desenvolvimento da indústria nacional, que se capacita para atender as Forças Armadas e o mercado, avalia o coronel Ramiro Kirsch
O programa gera um círculo virtuoso de desenvolvimento da indústria nacional, que se capacita para atender as Forças Armadas e o mercado, avalia o coronel Ramiro Kirsch
A indústria aeroespacial brasileira já é considerada uma das mais importantes do mundo. A partir da parceria entre Brasil e Suécia para a gestão conjunta do Projeto FX-2 da Força Aérea Brasileira (FAB) – que vai produzir caças de última geração para modernizar a frota nacional.
Durante a visita oficial à Suécia, a presidenta Dilma Rousseff vai visitar as instalações da Saab na cidade de Linköping, onde já se encontram profissionais brasileiros para dar início à etapa de treinamento e qualificação no Programa Gripen e que depois retornarão ao Brasil para implantar as fases de desenvolvimento e produção dos caças em território nacional.
O desenvolvimento do Gripen brasileiro gera um círculo virtuoso de desenvolvimento, capacitando a indústria nacional para as Forças Armadas e também o mercado, avalia o coronel Ramiro Kirsch. 
A Embraer será responsável por diversas etapas do processo, como desenvolvimento de sistemas, integração, testes de voo, montagem final e entregas de aeronaves. A Embraer também participará da coordenação de todas as atividades de desenvolvimento e produção no Brasil. Do lado sueco, a Saab ficará responsável pelo treinamento de profissionais brasileiros e deve implantar unidades de desenvolvimento de equipamentos, sistemas e pesquisa no Brasil. Uma das cláusulas do contrato para a construção dos caças é a transferência da tecnologia de desenvolvimento e montagem para o Brasil.
Para o coronel Ramiro Kirsch, adido de Defesa e das Forças Armadas junto à Embaixada do Brasil na Suécia, o projeto será decisivo para o fortalecimento e expansão da indústria aeroespacial brasileira.
“Projetos como Gripen, como o do submarino nuclear da Marinha, como o do Guarani, no Exército, são projetos indutores de desenvolvimento tecnológico. Eles geram uma espiral ascendente, na verdade um círculo virtuoso de desenvolvimento industrial. Toda vez que eles demandam uma maior necessidade de produto de alto valor agregado, de alto valor tecnológico e a indústria nacional responde, isso vai capacitando a indústria nacional a fazer parte desses grandes projetos, tanto no Brasil, para as Forças Armadas e também para o mercado, bem como se preparando para as exportações ou, até mesmo, tendo contratos com a Saab”, afirma.
Além da Embraer, outras empresas brasileiras estão envolvidas nas diversas etapas do Programa, como Akaer, Inbra Aerospace, Atech, Ael Sistemas e Mectron. “Para o Brasil, vamos ter capacidade de melhorar a nossa atividade industrial, agregar produtos de maior valor agregado, ter um maior número de produtos nesse sentido. E, principalmente, desenvolver tecnologias de ponta aplicadas à Aeronáutica, o que, com certeza, vai permitir uma busca maior de mercados, por parte da Embraer e das demais empresas envolvidas”, garante.
O coordenador do Programa Gripen Brasil na Saab, Mikael Franzén, destaca que a produção dos novos caças brasileiros impulsiona áreas estratégicas, como a atividade industrial e a qualificação de mão de obra, por exemplo. “Ao mesmo tempo que você terá as aeronaves mais avançadas, você também terá a tecnologia delas. E serão muitos novos empregos a serem criados no Brasil em diferentes regiões do país. Esses empregos serão altamente especializados, uma vez que é necessária toda uma engenharia de desenvolvimento e uma produção muito avançada”, analisa.
Segundo o executivo sueco, a troca de experiências tende a ser muito proveitosa para ambos os lados. “Atualmente nós temos uma boa colaboração com as empresas brasileiras, que têm sido efetivamente parceiras no Programa Gripen. Esperamos continuar com essa parceria tanto nos programas existentes quanto nos programas futuros”, garante.
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