sábado, 7 de fevereiro de 2015

Crise econômica do Estado do Rio exige mudanças estruturais, alerta especialista


m.jb.com.br

O governo do Estado do Rio de Janeiro passa por uma série crise econômica, que ameaça áreas importantes como Saúde, Educação e Segurança. Entre os motivos apontados, alguns, como a questão do preço do petróleo, são superáveis. A baixa arrecadação de ICMS, contudo, é fruto de uma ausência de infraestrutura, principalmente na periferia metropolitana, que afasta empresários e o aumento da produtividade. Sem uma mudança neste quesito, e ainda uma avaliação da estrutura de gastos, não dá para esperar que o Estado saia de sua trajetória de declínio, iniciada quando deixou de ser a capital do país, em 1960. A análise é do coordenador do Observatório de Estudos sobre o Rio de Janeiro e professor da UFRJ, Mauro Osório.

Só para se ter uma ideia, o estado do Rio estaria devendo R$ 250 milhões a uma das 40 empresas que prestam serviço para o governo. Haveria firma que não recebe há sete meses, de acordo com o Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação. De acordo com o sindicato, se a dívida não for paga, cerca de 30 mil trabalhadores serão demitidos após o Carnaval.

O governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, anunciou um processo de reequilíbrio financeiro e garantiu que as áreas de Saúde, Educação e Segurança não seriam afetadas. O deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), por sua vez, alertou na Alerj que novos secretários do Estado devem encarar um orçamento já cortado, o que já aconteceria com essas três áreas, e lembrou ainda que a dívida do Rio de Janeiro é superior ao seu orçamentário anual.

Pezão, na semana passada, indicou alguns dos fatores que contribuem para a crise econômica do Estado. A queda do preço do petróleo, que afetou as contas no mundo inteiro, principalmente dos grandes exportadores, tem "impacto relevante" nas contas do estado, já que este é responsável por 80% da produção nacional. O ano que passou também teve uma queda de R$ 2 bilhões na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e também há a previsão de menos R$ 2,2 bilhões em royalties de petróleo.

Na terça-feira (5), na ocasião da posse do novo presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Pezão chegou a pedir que a casa disponha de mais juízes para fazer as execuções fiscais da dívida ativa do estado que, segundo ele, está em R$ 66 bi. “O estado passa por um momento difícil e um dos apelos que eu deixo é para que a gente tenha mais juízes disponíveis para cobrarmos os nossos devedores”, disse. De acordo com o novo presidente do Tribunal de Justiça do Rio, o desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, contudo, não se tratava da melhor via para solucionar o problema.

Segundo Pezão, as secretarias, autarquias e empresas já trabalham para reduzir o consumo de despesas correntes em no mínimo 20%, como de telefonia, consumo de água, energia elétrica, passagens e combustíveis. Contratos com fornecedores também estariam sendo renegociados, para redução de pelo menos 20% no saldo, além de uma queda de 35% em gratificações de encargos especiais de servidores. Pezão garantiu, entretanto, que o programa de pacificação, obras contratadas e concursos já realizados não serão afetados pelo reequilíbrio financeiro do Estado. "Os investimentos da Segurança estão resguardados, assim como os da Saúde e Educação", afirmou.

Na quinta-feira (5), em entrevista à Globo News, reforçou que o orçamento do Estado não foi cortado em nenhuma parte, lembrando que o orçamento ainda nem foi aprovado. Disse que haverá um "contingenciamento preventivo", com gastos feitos à medida em que entrarem recursos, e que a área de Segurança é a que tem maior prioridade.

Para Osório, a situação é bastante grave, já que o mais provável é que o país tenha uma pequena recessão em 2015, levando em conta ajustes fiscais e o caso da Petrobras, que, para ele, "vão ser resolvidos", mas ainda vão causar um período ruim. A questão da água agrava o problema, limitando investimentos de empresários.

Osório lembra que o Estado passou por décadas de decadência e perdeu densidade produtiva. Começa a ter um dinamismo maior, mas em uma fase ainda embrionária. Minas Gerais passou o Rio de Janeiro em arrecadação de ICMS -- até 2004, o Estado era o segundo em receita do imposto, e hoje é o terceiro. A dependência à receita de royalties, então, fica muito grande, e as perspectivas com relação a isto não são muito positivas.

"Independente do preço do petróleo voltar a crescer, tem um outro problema que é um problema estrutural. No pré-sal, a participação do Rio no total da receita de royalties é muito pequena. Quer dizer, vai aumentar muito o bolo, mas a participação percentual do Estado do Rio de Janeiro cai pesadamente. Então, a tendência é ter uma receita de royalties menor, em termos reais. E aí o desafio é como, de fato, a gente procura adensar a estrutura produtiva do Estado do Rio de Janeiro."

O Rio de Janeiro ganhou muitos investimentos, a situação mudou, pondera ele. Só que ainda se tem muita falta de infraestrutura. Em Caxias, exemplifica, há o polo petroquímico e polo gás-químico, mas a indústria de plástico, que mais gera emprego, "quase não foi", porque não tem onde ficar.

"Essa crise da Petrobras é uma crise conjuntural, que ela vai superar e o pré-sal vai em frente. O Rio pode atrair muito a indústria, porque, com a política de conteúdo local, e com o pré-sal, que tem quantidade de produção muito maior, muitas indústrias que ainda não estão no Brasil vão estar, de capital nacional ou multinacional. Agora, o Rio de Janeiro, para atender uma parte dessas empresas, precisa melhorar infraestrutura".

Osório conta o caso de um empresário, que tem uma fábrica no Rio e duas em São Paulo. Há três meses, esse empresário confidenciava ao professor que o Arco Metropolitano melhorou a situação fluminense, só que, onde ele ele estava, em Caxias, faltava energia elétrica toda semana, o sinal de telecomunicações também não agradava. Quando chovia, ele não conseguia nem emitir nota fiscal eletrônica. O empresário, com este quadro, estava pensando em transferir a terceira fábrica para São Paulo.

"A periferia metropolitana é um desastre, 40% das escolas municipais de Caxias não têm cano de água, não é que não tem água, não tem cano. Você não tem uma linha de ônibus regularizada em Itaguaí, você tem municípios na periferia metropolitana que as ruas não tem CEP", alerta.

O mercado de Turismo poderia ajudar também, mas precisaria de maior planejamento. Os municípios que dependem desta atividade no Estado são Paraty, Itatiaia e Búzios. Outros têm um mercado forte, mas não tão importante para suas economia, mostram dados e pesquisas do Observatório de Estudos sobre o Rio de Janeiro. "Você pode ter uma estratégia turística que amplie isso." A Prefeitura do Rio, por exemplo, diz o professor, não tem estratégia turística, tem estratégia de eventos.

O professor também alerta para a composição das despesas do Estado. O gasto per capita com judiciário, legislativo e atividades complementares à justiça (Ministério Público estadual, defensoria) é muito maior do que nos estados de Minas Gerais e São Paulo. É ainda igual ao gasto com educação pública estadual, enquanto em São Paulo é um terço do que se gasta com educação. "Precisa haver uma discussão pública sobre a decomposição da despesa. A gente precisa aprimorar o planejamento."


Os gastos das funções de Legislativo, Judiciário e Essencial à Justiça no Rio em 2013 foram iguais aos de Educação. Em Minas Gerais e São Paulo, os gastos em educação foram maiores que o somatório
"De fato temos uma situação muito complicada, desafios grandes, o Rio tem janelas de oportunidades, mas a gente ainda tem gargalos importantes a resolver", alerta o professor. "O estado do Rio de Janeiro sofreu uma desestruturação muito grande, desde a mudança da capital, e com isso você passou a ter uma máquina pública mais precária, passou a ter uma lógica política particularmente clientelista, as universidades do Rio de Janeiro pouco discutem o Estado, há uma necessidade de renovação."

Como o Rio de Janeiro foi, além de capital, centro cultural do país e centro da logística, principal referência internacional, a tradição não é pensar a região, mas o país e o mundo. Talvez por isso, sugere Osório, é que há um entendimento menor, na sociedade carioca e fluminense, sobre, de fato, quais são os desafios do Estado e qual o tamanho deles.

"Há um ano atrás parecia que o Rio estava uma maravilha, agora não, é um desespero. Isso também é falta de maior densidade de reflexão. Na verdade, melhorou menos do que muitas vezes se dizia". Melhorou, mas menos do que se acreditava, ou se fazia acreditar.

O JB entrou em contato com a Secretaria da Fazenda do Rio de Janeiro para falar sobre a crise econômica do Estado, mas o secretário, Sérgio Ruy Barbosa, que também era o presidente da Comissão de Planejamento Orçamentário e Financeiro do Estado do Risco de Janeiro (Copof), estava de férias e só retornaria após o carnaval. De acordo com a assessoria de imprensa da pasta, nenhum outro porta-voz estaria disponível a falar sobre o assunto. Na mesma semana, o núcleo de imprensa do governo comunicou que o secretário de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços, Julio Bueno, iria ocupar a pasta a partir desta sexta-feira (6), acumulando, temporariamente, as funções. "O secretário Sérgio Ruy Barbosa pediu exoneração do cargo por motivos pessoais", dizia a nota.

A secretaria do Planejamento, por sua vez, informou por meio da assessoria de imprensa que quem poderia falar sobre o assunto seria o secretário da Fazenda. A Copof foi criada para acompanhar as medidas de ajustes de 2015, e também é formada pelos secretários da Casa Civil e do Planejamento, e pela procuradora-geral do estado, Lúcia Léa Guimarães Tavares.

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