Esta semana
resolvi dar uma baixa nos Termos Circunstanciados recebidos da Delegacia de
Polícia e designei dezenas de audiências. Ontem, por exemplo, com a ajuda de
mais dois conciliadores, realizamos cerca de 40 audiências nestes processos.
Teve um pouco de tudo. Na verdade, quase todo o rol dos crimes previstos no
artigo 61, da Lei 9.099/95: “Consideram-se infrações penais de menor
potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os
crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou
não com multa”.
Lembre-se que
para realizar a audiência, a vítima compareceu antes a uma Delegacia de Polícia
para registrar a ocorrência e movimentou toda a máquina administrativa policial.
Depois, o processo foi remetido ao Judiciário e, novamente, uma máquina enorme
foi acionada para movimentar o processo. No início, um digitador acionou o
sistema de informática para registrar o processo e a secretaria, em seguida,
adotou uma série de providências para designação da audiência. Em seguida, um
oficial de justiça saiu a campo para intimar no mínimo duas pessoas por
processo: o autor do fato e a vítima. Em alguns casos, no entanto, existem mais
de um autor do fato e mais de uma vítima. Sendo assim, para realizar 40
audiências, por exemplo, pelo menos 60 mandados foram confeccionados para serem
cumpridos por oficial de justiça. Isto sem esquecer, é claro, da presença
obrigatória de um representante do Ministério Público e um advogado defensor do
acusado.
Não fiz ainda
um balanço das audiências, mas foram poucas reconciliações, algumas composição do dano civil e outras transações
propostas pelo Promotor de Justiça. Neste esquema de muitas audiências, o nível
de reconciliação é sempre baixo, pois o tempo é curto para uma conversa mais
demorada com as partes litigantes.
O certo, no
entanto, é que para o cumprimento das metas exigidas pelo CNJ, o Juiz andou bem:
40 processos a menos no estoque é o que interessa!
Pois bem, no
final da tarde, quando finalmente sentei para saborear com calma um cafezinho,
pensava em alternativas mais racionais para aquela loucura de pessoas discutindo
e em conflito por motivos muitas vezes insignificantes.
De início,
pensei que precisava organizar com mais frequência um dia de audiências
temáticas como o que acabara de fazer; depois pensei que também seria
interessante se fosse designado mais um juiz para auxiliar neste tipo de
trabalho; depois pensei que seria mais interessante ainda se houvesse um espaço
de mediação daqueles conflitos e não fosse preciso a presença do Estado Juiz
para resolvê-los...
Nesta
divagação, pensei, por fim, que melhor mesmo seria se não existissem os
conflitos pessoais e, em consequência, pessoas envolvidas neles. Infelizmente,
os conflitos existem e quero crer que isto faz parte da convivência humana. De
outro lado, quero crer também que os conflitos se agravam e se transformam em
litígios porque as pessoas, por seu modo de viver, não conseguem resolvê-los e,
então, o que era um problema pessoal ganha contornos de judicialidade e tem a
solução transferida para o Estado-Polícia-Juiz. Evidente que não estou me
referindo aos conflitos sociais, estruturais ou institucionais, que merecem
outro tipo de análise.
Agora,
infelizmente, não tenho tempo para continuar divagando. Meu cafezinho chegou ao
fim e recebo a notícia de que existem vários processos de Termos
Circunstanciados aguardando pauta para a audiência. Enquanto isso, certamente,
mais e mais pessoas, todos os dias, muitas vezes por falta de um diálogo de
poucas palavras, entrarão em conflito com outras pessoas e recorrerão ao
Delegado, que vai transformar seu conflito em Termo Circunstanciado e remetê-lo
ao Estado-Juiz, como se o Fórum fosse o divã da sociedade em conflito e
audiências fossem sessões de psicanálise.
Enquanto isso,
parodiando Gilberto Gil, vou vivendo a ilusão de que “ser Juiz bastaria e que o Direito me daria
tudo o que eu quisesse ter...” Ou seja, viver em uma sociedade livre, justa
e solidária, fundada na cidadania e dignidade da pessoas humana, como está
escrito na Constituição de 1988.
Conceição do
Coité, 03 de agosto de 2011
* Juiz de
Direito (BA), membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD
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