Felipe Recondo e Ricardo Brito, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Quando a corregedora Nacional de Justiça, Eliana
Calmon, revoltou a magistratura ao afirmar, no ano passado, que havia “bandidos
de toga”, ela não revelou nomes, mas tinha uma lista com casos emblemáticos,
como o encontrado em Tocantins. A corregedora já conhecia parte das quase 5 mil
páginas da ação penal 490, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma espécie
de radiografia de tudo o que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) busca
combater no Judiciário.
Divulgação/TJ-TOWillamara, presidente do TJ, acusada de
corrupçãoAo longo de quatro anos, uma ampla e detalhada investigação mostra que
4 dos 12 desembargadores montaram esquemas no Tribunal de Justiça do Tocantins
(TJ-TO) para vender sentenças, satisfazer interesses de políticos locais,
cobrar pedágio para liberar o pagamento de precatórios, confiscar parte dos
salários dos assessores para financiar viagens ao exterior e cobrar dos cofres
públicos indenização vultosa por danos morais por terem sido investigados.
Os indícios e provas colhidos levaram o Ministério Público a
denunciar quatro desembargadores, dois procuradores do Tocantins, sete
advogados, três servidores do tribunal e outras duas pessoas envolvidas no
esquema.
O Estado teve acesso à denúncia do MP, e aos 15 volumes e 47
apensos da ação penal no STJ contra a presidente do Tribunal de Justiça de
Tocantins, Willamara Leila de Almeida, e os desembargadores Carlos Luiz de
Souza, Amado Cilton Rosa e José Liberato Póvoa.
Perícias em computadores de advogados e juízes, depoimentos
de testemunhas, ligações telefônicas gravadas com autorização da Justiça,
vídeos e fotos captados pela Polícia Federal mostram em detalhes como o esquema
funcionava. Nas 152 páginas, o Ministério Público denunciou os envolvidos por
formação de quadrilha, corrupção ativa, corrupção passiva, tráfico de
influência, peculato e concussão.
Sentença copiada. No primeiro dos casos em que o MP aponta
indícios de venda de sentenças, as investigações mostram que o desembargador
Carlos Souza não teve sequer o trabalho de escrever o voto que iria proferir e
que atendia aos interesses de advogados que defendiam o Instituto de Ensino Superior
de Porto Nacional (Iespen) - Germiro Moretti e Francisco Deliane e Silva (juiz
aposentado).
A Polícia Federal apreendeu na casa de um dos advogados um
computador em que o voto estava sendo escrito. A última versão do texto datava
do dia 20 de junho de 2007, às 9h36. Horas depois, o caso estaria na pauta de
julgamento do TJ-TO. Para saber se aquele texto correspondia ao voto proferido
pelo desembargador Carlos Souza, a PF fez uma comparação entre os dois.
Das 146 linhas do documento, 131 foram usadas no voto do
desembargador. As poucas alterações foram para corrigir erros de digitação ou
para substituir termos jurídicos em latim por expressões em português. Os
grifos e os erros de pontuação do texto encontrado no computador do advogado
foram mantidos no voto do desembargador.
Conversas telefônicas entre Morreti e Deliane reforçaram as
suspeitas do Ministério Público. No dia em que o processo entraria na pauta do
TJ, os dois conversaram sobre o voto. “Deu tempo, Deliane?”, pergunta Moretti.
“Eu comecei. Vou terminar hoje cedo”, responde. Moretti explica o porquê da
cobrança: “Já ligaram pra mim de lá agora cedo. Se tava pronto pra mim (sic)
levar pra eles ver (sic). Entendeu?”. Deliane diz então que o texto estaria
pronto antes da sessão. “Lá pras 10 horas”, prometeu. “Tá bom”, concluiu
Moretti.
Partilha. Em outra conversa, Deliane e Moretti discutem a
partilha do dinheiro que a faculdade Iespen despendeu para ganhar aquele
processo. Pelo acerto que fizeram, os R$ 100 mil seriam divididos entre os
envolvidos - R$ 15 mil para o desembargador Liberato Póvoa e R$ 15 mil para
Carlos Souza. Os R$ 70 mil restantes seriam partilhados entre advogados e
servidores que participaram da negociação.
Depois de descoberto o esquema, Moretti confessou o
pagamento aos desembargadores e reconheceu que chegou a entregar dinheiro na
casa do desembargador Liberato Póvoa.
A PF também filmou o advogado chegando à casa do
desembargador Carlos Souza com uma maleta preta nas mãos. As imagens mostram
que, em seguida, o desembargador sai de casa e guarda algo no assoalho do seu
carro. Em outro caso, o mesmo advogado - Germiro Moretti - negocia a compra de decisão em favor de uma empresa por R$ 15 mil, sendo R$ 10 mil para o desembargador Liberato Póvoa. Mas, indicando que a venda de sentenças era uma praxe, Moretti diz que é preciso acelerar as negociações para evitar que o advogado da outra parte negocie a decisão em outro sentido. “Tenho que correr primeiro”, afirmou.
No mesmo dia em que foi proferida a decisão favorável ao grupo, Germiro Moretti e o outro advogado da causa, Joaquim Gonzaga Neto, foram ao Tribunal de Justiça do Tocantins, sob a vigilância da PF. À noite, encerrado o expediente, o desembargador Liberato Póvoa telefona para Moretti e pede que o advogado passe em sua casa. Em depoimento, Moretti confirmou que os R$ 10 mil foram pagos.
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