sexta-feira, 19 de agosto de 2011

COMPERJ: O ‘Peixe’ chegou! E agora?

Visto do ‘céu’, em imagem de satélite, a área onde está sendo construído o Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj) tem formato semelhante à silhueta de um gigantesco peixe avermelhado, de 45 milhões de metros quadrados - o equivalente a cinco bairros de Copacabana. Cravado no coração de Sambaetiba, distrito rural de Itaboraí, sua gênese foi anunciada pela Petrobras em março de 2006, com destino traçado: nasceu para ser o maior polo da indústria petroquímica no País, com investimento de US$ 8,4 bilhões - ou R$ 17,6 bilhões. O DNA do ‘Peixe’ anunciava a construção de uma refinaria de padrão internacional, com tecnologia de ponta para refinar o óleo pesado vindo da Bacia de Campos. O Complexo - cuja obra termina em 2014 - irá começar a operar em 2015, gerando 150 mil empregos diretos e indiretos, o que vai mudar o perfil socioeconômico da região, que engloba 23 municípios influenciados pelo empreendimento.

Mas, quando chegar a hora do ‘banquete’, será preciso ter cuidado com as espinhas do ‘Peixe’. A ‘Dubai brasileira’ -analogia que compara Itaboraí ao emirado árabe rico produtor de petróleo, no Oriente Médio - poderá ser uma miragem na vida de seus cidadãos. A reboque do progresso, a fisiologia do ‘Peixe’ esconde, em suas ‘entranhas’, efeitos colaterais já experimentados por cidades como Macaé, no Norte Fluminense. Em meio à euforia desenvolvimentista provocada pelos royalties do petróleo, a partir da década de 80, a cidade teve uma explosão populacional, cresceu de forma desordenada e sofre até hoje com o aumento da criminalidade. Entre 1980 e 2010, Macaé teve a taxa de homicídios dolosos triplicada, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP). Itaboraí pode seguir o mesmo caminho: a população da cidade, que atualmente é de 220 mil habitantes, deve chegar a 1 milhão até 2021. Projeção do ISP alerta que, se o município não se preparar, a migração de trabalhadores em massa pode iniciar um processo de favelização, multiplicando por quatro a taxa de homicídios nos próximos nove anos.

Cinco anos após a ‘inseminação’ do Comperj na fauna e flora do Leste Fluminense, O SÃO GONÇALO mergulhou no ‘aquário’ do ‘Peixe’ - Sambaetiba - e visitou as cercanias de seu ‘habitat’ para descobrir e registrar os primeiros impactos políticos, socioeconômicos e ambientais e, também, contar as histórias de pessoas atingidas pelas ‘escamas’ do polo. Durante um mês, a reportagem percorreu cerca de 250 km no município, por áreas rurais e urbanas, de plantações de laranjas a canteiros de obras. Foram entrevistadas mais de 50 fontes, ligadas ao poder Executivo nas esferas municipal, estadual e federal, polícias Civil e Militar, Secretaria de Estado de Segurança, além de ambientalistas, funcionários de cartórios, representantes de associações de moradores e de produtores rurais, cientistas sociais, lavradores, pecuaristas, agrônomos, comerciantes, construtores e operários da construção civil.

No rastro das cifras astronômicas, estatísticas, relatórios oficiais e estudos acadêmicos que permearam os cinco primeiros anos de gestação do polo, a série ‘O Peixe chegou! E agora?’ vai mostrar a transformação por que passa a região e seus efeitos na vida dos moradores. Dar voz a seus habitantes, de famílias que chegaram há décadas em Itaboraí e que hoje vivem entre a expectativa de dias melhores e a incerteza do amanhã. Histórias como a de D. Almerita, de 109 anos, que viveu o apogeu do Ciclo da Laranja. Do seu Jobson, ex-servente de obras que virou pintor, ascendeu da classe D para a classe C, comprou freezer, geladeira e vai reformar a casa. Do ex-produtor rural Juarez, cujo pai vendeu a fazenda para a Petrobras por R$ 700 mil e hoje vive de renda, mas não sai ‘de jeito nenhum’ de Sambaetiba. Do operário cearense José Nauri, 48, que chegou em Itaboraí em 2008 para trabalhar no Comperj e conheceu o amor de sua vida, a itaboraiense Valéria Silva, 31, com quem casou. O ‘Peixe’ já faz parte da vida dessa gente que carrega uma pergunta em comum -ainda sem resposta: “O Comperj chegou! E agora?”.
     Fonte: Jornal O São Gonçalo, por Ricardo França.

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