quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Por que todos querem o TCU?

Mobilização em torno do processo eleitoral do órgão que fiscaliza dinheiro público põe em xeque independência de Ana Arraes, que assume sob a força de interesses políticos que não combinam com sua verdadeira função
 
Adriana Caitano, André Vargas e Marina Pinhoni
Ana Arraes disse que fez uma campanha "limpa" Ana Arraes disse que fez uma campanha "limpa" (Saulo Cruz/Agência Câmara)

Detentor de um papel fiscalizador fundamental, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou, nos últimos anos, irregularidades em dezenas de obras públicas e forçou sua interrupção, para impedir que dinheiro do contribuinte sumisse pelo ralo ou fosse desviado por malfeitores. Ao cumprir sua tarefa, o órgão irritou autoridades como o ex-presidente Lula, que o atacou em diversas ocasiões.

Uma das ideias esgrimidas pelos inimigos do TCU é a de que uma longa paralisação pode também ser lesiva ao interessa comum. Na semana passada, esses inimigos conquistaram uma aliada no interior do próprio tribunal. Eleita na quarta-feira para uma vaga no TCU, a pernambucana Ana Arraes imediatamente revelou a filosofia que traz para o cargo: “A paralisação de obras às vezes sai mais cara”.

A campanha que levou à vitória da deputada tomou proporções inéditas no Congresso Nacional. Na última semana, cabos eleitorais tomaram os corredores da Câmara, distribuindo bottons e adesivos. Candidatos visitaram gabinetes, foram homenageados com jantares badalados, receberam apoio e abraços efusivos dos eleitores.

Filho de Ana Arraes, o governador Eduardo Campos (PSB-PE), praticamente se mudou para Brasília e conseguiu derrotar o ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo (PCdoB-SP). O processo eleitoral inusitado acabou se transformando em ferramenta para um político em ascensão fazer campanha antes da hora de fazer campanha.

Ataques - O Tribunal de Contas da União foi alvo de inúmeros ataques do antecessor da presidente Dilma Rousseff. “Nem sempre o que o TCU diz que constata é verídico”, declarou inadvertidamente o ex-chefe do Executivo, em novembro de 2010. “Com que direito alguém para uma obra por nove meses?", indagou o mesmo, em novembro de 2009.

Ainda ministra, em setembro de 2009, Dilma também questionou a atuação do TCU, embora de forma bem mais contida. "Não queremos mudar o TCU e nem diminuir o nível de fiscalização do TCU, mas eu noto que há um descontentamento em alguns segmentos e o governo vai tratar desse assunto porque a ele chegam muitas falas nesse sentido", declarou à época.

As investidas fazem sentido. O PT costuma jogar nas costas do órgão fiscalizador o atraso em obras como as do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No entanto, sem o trabalho dos auditores do órgão, muitas irregularidades passariam despercebidas.

Nos últimos três anos, o TCU fiscalizou, em média, duas centenas de obras. Em 2010, apontou irregularidades graves e mandou parar 32 das 231 obras fiscalizadas – 13,8% do total. Destas 32, 17 fazem parte do PAC e outra também está incluída entre os projetos da Copa - reforma do Aeroporto de Guarulhos.

Atualmente, há cinco obras paradas ou que ainda nem começaram. Todas têm problemas de sobrepreço ou superfaturamento. Uma delas, a implantação da Linha 3 do Metrô do Rio de Janeiro, orçada em 770 milhões de reais, nem saiu do papel.

Poderes limitados - Há caminhos para o aperfeiçoamento do TCU. É claro que ele funcionaria melhor se tivesse poder para impedir a perpetração de falcatruas de maneira mais efetiva. Um dos entraves é o fato de ter poderes limitados e atuação atrelada a de outros órgãos.

Quando uma auditoria detecta erros em licitações, obras e contas públicas, por exemplo, o órgão pode apenas recomendar que sejam corrigidos os problemas. “Os ministros não têm o poder de impedir que o orçamento do ano seguinte destine dinheiro para aquelas obras, apenas enviam relatório para o Congresso dizendo quais não devem continuar e os parlamentares ignoram solenemente”, diz o diretor-executivo da Ong Transparência Brasil, Cláudio Abramo.

O tribunal também pode aplicar multas a quem comete irregularidades, mas há dificuldades para que elas sejam efetivamente pagas. De acordo com relatório do TCU, entre 2008 e 2010, dos 24 bilhões de reais em multas aplicadas pelo tribunal em órgãos estatais, somente 1,1 bilhão foi de fato pago. Em outras palavras: de cada 100 reais de multas aplicadas, apenas 4,70 reais são arrecadados.

De fato, só quem tem legitimidade para cobrar uma dívida é a Justiça. “Com a demora para que o Judiciário tome alguma providência, os gestores corruptos se sentem livres para arriscar, sabendo que dificilmente serão punidos e, se forem, não serão obrigados a pagar a multa”, afirma o professor e cientista político da Universidade de Brasília (UnB), Valdir Pucci.

Claudio Abramo, da Transparência Brasil aponta ainda uma lacuna entre o trabalho do auditor, de caráter eminentemente técnico, e a decisão política do ministro. “O auditor pode descobrir uma falcatrua e o ministro decidir não levar o relatório à frente”, diz. Segundo ele, há países em que os órgãos de controle são comandados por representantes da oposição, como a Grã Bretanha. “Os opositores acabam tendo mais interesse em fiscalizar e cobrar do governo”.

Benefícios - O Tribunal de Contas da União é um órgão auxiliar do Poder Legislativo e composto por nove ministros, dos quais seis são indicados pelo Congresso Nacional e três pelo presidente da República. Além do prestígio político, os benefícios são apetitosos e dão ideia do motivo que levou oito pessoas a concorrer com afinco à vaga conquistada por Ana Arraes.

Além da remuneração de 25.386 reais e do cargo vitalícios, a aposentadoria, na maior parte dos casos, é integral e eles têm direito a uma cota de até 43.000 reais por ano para passagens aéreas. Em cada gabinete, há um assistente e um oficial comissionados que ganham, juntos, 20.171 reais. Também estão à disposição dos ministros também auditores e técnicos concursados - os cérebros por trás dos relatórios do órgão.
A mobilização de partidos, parlamentares e até governadores em torno do processo eleitoral no TCU põe em cheque a independência da mãe de Eduardo Campos, que chega ao órgão sob a força de interesses políticos que não combinam com sua verdadeira função. Resta saber que papel Ana Arraes desempenhará daqui para frente na nova função. Melhor que seja o de defensora do dinheiro público.

Fonte Revista Veja


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